Cotidiano

Cense I pode até começar a funcionar, mas “nas coxas”

Faltam profissionais; Estado diz que vai contratar, mas não tem qualquer prazo nem quantidade previstos

Cascavel – Não dá para negar. A nova estrutura do Cense I (Centro de Socioeducação) ficou “show de bola”, como diriam seus internos. Com salas de aula organizadas e cubículos para dois adolescentes, com instalações de beliches e banheiro, com capacidade para 40 internos. O moderno prédio de Cascavel foi inaugurado na semana passada, mesmo inacabado. Era preciso, pois o governador Beto Richa deixa o governo na próxima semana, e isso vai contar em seu currículo.

Uma semana depois da inauguração, funcionários ainda finalizam detalhes da pintura e não há mobília. Conforme o governador, já está em processo de compra. A promessa de Beto é de que em 30 dias o Cense começaria a receber os menores em conflito com a lei. Mas, numa conta mais apurada, o prazo pode ser bem diferente.

Um dos maiores problemas é a falta de funcionários, especialmente educadores sociais, algo que não é novidade.

Na estrutura antiga do Cense, que fica no Bairro Coqueiral, a qual já foi alvo de interdição judicial duas vezes por falta de condições estruturais, atuam 27 profissionais, que atendem 24 menores. Número considerado insuficiente pelos próprios trabalhadores, que dizem não conseguir atuar com a socioeducação, de fato.

Isso porque, para dar assistência a esse número de jovens, seriam necessários 67 profissionais, ou seja, o triplo do quadro atual. “O novo prédio é maravilhoso e certamente vai oferecer mais dignidade e sensação de acolhimento aos meninos. Porém, a parte material é valorizada, mas não a parte humana. Sem efetivo suficiente, a socioeducação em si fica ignorada, e não podemos realizar atividades com os adolescentes, como passeios, visitação a lugares turísticos, e até mesmo o simples transporte de um menino para atendimento de saúde fica comprometido. Por causa disso, são poucos os jovens que se ressocializam”, conta uma educadora social, que acrescenta: “Os próprios trabalhadores não se sentem seguros e os adolescentes, sabendo dessa falta de pessoal, acabam se apoderando e fazendo bagunça”. Tanto que, recentemente, o Cense foi alvo de vandalismo devido à falta de segurança.

Contratos de PSS chegam ao fim

A falta de pessoal não ocorre apenas no Cense de Cascavel. Essa é a realidade de todo o Estado e, de acordo com a própria Secretaria de Justiça, o déficit de profissionais ocorre em todas as áreas. Só que a situação deve ficar ainda pior no fim do ano, quando vencem contratos de 71 funcionários que atuam na modalidade PSS (Processo Seletivo Simplificado), em todo o Estado, que abriga 1.140 vagas de socioeducação, com 1.269 servidores.

O problema é que a Secretaria não decidiu se renovará o contrato PSS, se fará outro processo seletivo ou se vai suprir essas vagas com concursados, isso porque depende de outras secretarias.

Há ainda um agravante. Por ser ano eleitoral, as contratações são restritas. Além disso, falta dinheiro, pois a folha do Estado está comprometida há tempos. Ou seja, provavelmente, esse problema vai ser “jogado” para o ano que vem e para quem for eleito em outubro resolver.

“Acreditamos que o Estado não tenha folga na folha para chamar esses concursados. Além disso, tem a questão do calendário eleitoral, há um prazo para que se possa contratar. O contrato de PSS é uma forma de contratação irregular. Mas o Estado dá um jeitinho. Só que a lei é bem clara: esses cargos apenas podem ser supridos por servidores de carreira”, rebate o advogado do Sindes (Sindicato dos Educadores Sociais), Jairo Ferreira Filho.

Para ele, a falta de profissionais deixa a eficácia do sistema comprometida: “A segurança também fica prejudicada. Temos caso de motorista que está fazendo trabalho de educador social, porque não tem gente. O Cense precisa de educador para tudo e não há perspectiva para contratar”.

Socioeducação é deixada de lado

O Paraná gasta muito com o atendimento de socioeducação. São, em média, R$ 14 mil por mês por menor abrigado. Esse valor varia e ano passado chegou a passar de R$ 15 mil por jovem. Que fique claro: esse gasto é mensal e por indivíduo.

Os valores são confirmados pela Secretaria de Justiça, que reconhece ser alto, mas necessário para o serviço oferecido. Mas, na prática, ninguém consegue fechar essa conta. Os agentes não têm plano de cargos, carreiras e salários e muitos migram para outros concursos porque a gratificação é um benefício que pode ser tirado a qualquer momento pelo governo do Estado e não há incentivo de carreira para que esses profissionais se especializem. “Do concurso no qual eu fui chamado, e ainda está vigente, foram convocados 11 educadores para o Cense, ao todo. Desde então, pelo menos nove já saíram porque passaram em outros concursos. Quando comecei a trabalhar na unidade, tínhamos efetivo que permitia realizar atividades de rotina, de escolarização, cursos profissionalizantes, esportes, entre outras, com tranquilidade e segurança. Mas, com a saída dos educadores, isso se complicou”, relata outro educador.

A situação piorou, segundo o funcionário, depois de um episódio de violência, quando dois educadores foram gravemente feridos em uma das unidades do Estado. “Desde esse dia, as atividades foram reduzidas pela metade até que fossem contratados mais educadores, o que ainda não foi resolvido, e outros episódios ocorreram: um suicídio e uma tentativa de fuga, este caso em que dois agentes acabaram cortados fisicamente. Nossa equipe vem sofrendo muita pressão para ampliar as atividades mesmo sem efetivo para isso”, relata um educador social que não pode ser identificado por questão de segurança. “Quando os adolescentes ficam sabendo dessa falta de pessoal, isso lhes dá poder para que se unam na ‘bagunça’. E aí não temos controle algum”.

Vagas para meninas

O sistema também é falho com relação ao internamento para meninas. Em Cascavel, o Cense I, de internamento provisório, só recebe meninos. Assim como será no Cense II.

Quando uma menina é apreendida, ela é encaminhada para a 15ª SDP (Subdivisão Policial), onde fica numa cela provisória. Mas, como o local não é apropriado, é solta, independente do crime que cometeu.

De acordo com dados do site da Secretaria de Justiça, no Departamento de Atendimento Socioeducativo, há apenas seis unidades do Estado com vagas femininas. O Cense de Ponta Grossa, o de Curitiba, o Cense I de Londrina, e o de Foz do Iguaçu, são unidades mistas, e apenas duas são exclusivas para elas: Cense Joana Miguel Richa e a unidade Semifeminina de Curitiba.

Tabela salarial educadores estatutários
Vencimento básico do socioeducador R$ 1.523,85
Gratificação Intramuros R$ 2.589,15
Total remuneração R$ 4.113
Vencimento básico nível superior R$ 3.657,27
Gratificação Intramuros nível superior R$ 1.955,67
Total remuneração nível superior R$ 5.612,94
Diretor da unidade em comissão R$ 6.089,26
Total remuneração diretor nível médio R$ 10.202,26
Total remuneração diretor nível superior R$ 10.702,20
Dados Secretaria de Justiça