Cotidiano

Catherine Wihtol de Wendel, cientista política: 'É impossível deixar de viver como europeus'

201604252040424525.jpg“Sou doutora em Ciências Políticas pela Sciences Po. Fui consultora de diversos organismos internacionais, como a OCDE e a Comissão Europeia. Desde 2002, presido o Comitê de Pesquisa de Migrações da Associação Internacional de Sociologia. Pesquiso as relações entre migração e política na França.”

Conte algo que não sei.

A migração também está na minha vida. Minha família morou em Rio de Janeiro, São Paulo e Santos no fim do século XIX, início do XX. Meu bisavô, que era dos Bálcãs, veio para trabalhar na indústria ferroviária. Foi também para a Argentina e o Uruguai. Estar aqui pela primeira vez é um retorno.

Qual é a responsabilidade da Europa na crise atual?

Os 28 países europeus são signatários da Convenção de Genebra sobre refugiados de 1951. E é seu dever dar uma solução aos candidatos a refúgio ou asilo, já que é impossível levá-los de volta a seus países. Mas a Europa não se considera uma área de refugiados ou imigrantes. Por séculos, os europeus saíam para outros países. E é difícil entender que agora é o primeiro destino migratório, à frente de EUA, Canadá e Austrália. Os europeus foram ensinados, na formação dos Estados-nação, sobre a importância das raízes, da origem. Por isso, não consideram a legitimidade da migração em sua História.

Há relação entre ameaças terroristas e migração?

Não. Estou muito feliz com o trabalho da polícia em relação ao terrorismo. Não há conexão. A maioria dos sírios é de famílias de classe média. Em Paris, são pessoas que querem ser bem-sucedidas e que fugiram do regime de Bashar al-Assad.

Qual o papel da comunidade internacional?

O mais eficiente seria dar boas-vindas aos que buscam asilo. Abrir as fronteiras onde o mercado de trabalho tem falta de profissionais de um determinado perfil, especialmente os de baixa qualificação, seria uma solução. Em segundo lugar, aplicar os termos da Convenção de Genebra: dar o status de refugiado e não criar áreas especiais para essas pessoas. Outra necessidade é ouvir para onde as pessoas querem ir. Não querem ir para lugares como a Grécia, onde não há emprego e existe a barreira da língua, mas para onde têm redes sociais, família, amigos, compatriotas. É preciso haver equilíbrio no compartilhamento de fronteiras entre os que buscam asilo e o desejo dessas pessoas.

Por que há desequilíbrio?

Alguns países não entram no jogo. Há uma crise entre Europa Oriental e Ocidental. A do Leste não aceita bem os que chegam, porque muitos deles fazem parte de antigos grandes impérios, e a identidade deles ainda está muito presa à questão étnica. Assim, a definição de seu Estado-nação seria desafiada por quem chega, mesmo que o país dependa da migração em algumas áreas de trabalho. Mas a extrema-direita é muito forte. Isso acontece na República Tcheca e na Eslováquia, que não pertenciam à Europa nos anos 1980 e 1990, quando discutíamos o cosmopolitismo, a luta contra a discriminação, a vida juntos. Isso é parte da noção de cidadania, agora. Mas é totalmente ignorada por esses países, porque não estavam na Europa e tinham outras batalhas a vencer.

A crise ameaça o projeto da União Europeia?

Sim, porque a solidariedade é um dos valores mais importantes da Europa, junto com democracia e direitos humanos. Faz parte da identidade europeia, um projeto que começou econômico, mas hoje é basicamente político. Mas algumas pessoas na opinião pública, a maioria eleitoras da extrema-direita, não aceitam que a Europa possa ser uma realidade, fecham-se no nacionalismo. Acham que podemos ser felizes vivendo totalmente fechados. Fechar as fronteiras seria catastrófico Não é possível voltar ao passado. É impossível deixar de viver como europeus.