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Briga judicial expõe dúvidas sobre interdição do Engenhão em 2013

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Uma disputa judicial entre os dois grupos que participaram da construção do Engenhão revela que o consórcio Odebrecht/OAS demorou nove meses para pedir a interdição do estádio, mesmo de posse de um laudo que indicava risco de colapso nos arcos da cobertura.

A interdição do Engenhão feita pelo prefeito Eduardo Paes, em 23 de março de 2013, foi baseada num laudo da reconhecida empresa alemã de checagem de risco de obras de engenharia, a SBP. Esse laudo afirmava que o estádio municipal administrado pelo Botafogo não era seguro e deveria ser fechado.

No entanto, um laudo anterior, datado de 25 de junho de 2012 ? nove meses antes do fechamento ? já dizia que o Engenhão corria riscos, porque a estrutura dos arcos era ?significativamente insegura” e ?uma ação imediata precisava ser tomada”. Nada foi feito.

Entre o primeiro laudo, que só tratava do arco, e o segundo, que analisava toda a cobertura, mais de 1,5 milhão de pessoas passaram pelo estádio em 62 partidas. O Fluminense, campeão brasileiro de 2012, mandou seus últimos jogos lá, sempre com grande público.

Os dois laudos constam da ação judicial, ao qual o GLOBO teve acesso, que o Consórcio Engenhão (Odebrecht e OAS) move contra o Consórcio RDR (Racional, Delta e Recoma) para cobrar parte dos R$ 250 milhões que foram gastos no reforço da cobertura. O consórcio RDR iniciou as obras do Engenhão, mas deixou a construção após divergências com a prefeitura a respeito de pagamentos. Depois disso, em janeiro de 2007, a Odebrecht e OAS assumem, de forma emergencial (sem licitação), a conclusão da obra feita para o Pan-Americano daquele ano.

Em sua defesa, o Consórcio Engenhão afirma que o estádio tinha laudo de utilização e, por isso, não corria risco de cair entre o laudo do arco e o da cobertura. Apesar de o primeiro ser alarmista quanto à segurança do arco, o grupo preferiu esperar um laudo sobre toda a cobertura para apresentar a situação ao prefeito. Segundo fontes da Odebrecht, o primeiro laudo jamais foi enviado à prefeitura.

LIMITE DE VENTO ERA MAIOR

Só que a demora de nove meses para interditar a arena se voltou contra Odebrecht/OAS, ao se tornar um dos argumentos de defesa do consórcio RDR, que iniciou as obras do Engenhão, e pelo projetista da cobertura, Flávio d?Alambert, acusado de erro de projeto.

? Tenho certeza de que nosso projeto está correto. Tínhamos aprovado o estádio. A cobertura se deslocou mais do que o calculado, mas isso é normal. Ela nunca mais deslocou. Ela era segura. E se era tão insegura, por que demorar mais de nove meses para fechar e quase dez para começar a escorar a cobertura? ? questionou d?Alambert.

O Consórcio Engenhão e a prefeitura sempre disseram que a cobertura do estádio ?corria risco de ruir com ventos superiores a 63 km/h”. Mas não é o que diz o segundo laudo: nele, a cobertura ?cairá com ventos superiores a 137km/h?.

O cálculo de 63km/h se refere o coeficiente de segurança exigido pelos conselhos de engenharia europeu e brasileiro e, portanto, nessa velocidade, o estádio só precisaria ser evacuado, mantendo a possibilidade de uso. Nenhuma das partes contesta esse dado.

? O cálculo de segurança é feito com base em dois ventos: o que pode acontecer a cada 50 anos e o pode acontecer a cada 100 anos. No laudo da Walker, contratada pela SBP para fazer o estudo dos ventos, diz que se ocorrer um vento centenário maior do que o limite de 63 km/h (medido a 10m acima da base em campo aberto, em rajadas de 3s de duração média), não significa que a cobertura irá ruir. Porém, a estrutura não apresentará mais a segurança que estipulam as normas técnicas, e o estádio deve ser desocupado ? afirma o professor Nelson Galgoul, contratado pela Odebrecht para o controle da qualidade da obra.

Isso explicaria o por quê nenhuma peça da cobertura caiu, mesmo tendo o estádio recebido várias vezes ventos superiores a 63 km/h. Mas jamais houve vento de 138km/h. Segundo Galgoul, o cálculo da Walker levou em consideração um vento crítico africano, muito raro.

No entanto, os laboratórios contratados pelo consórcio RDR dizem que essa conta de segurança foi feita como se o estádio estivesse livre das barreiras naturais dos morros e dos prédios; por isso, os valores estariam superdimensionados. Nas palavras de D?Alembert:

? São ignoradas as barreiras impostas pelo maciço da Tijuca. Monitoramos o ventos e muitos foram superiores aos 63 km/h, segundo o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia). Mesmo assim, a cobertura não se moveu um milimetro.

Já o Consórcio Engenhão acusa o RDR de fazer estudos de ventos em cima de uma maquete que não corresponde ao estádio construído.

DÚVIDAS NO AR

Porém, nada disso, até agora, responde as perguntas que o torcedor carioca se faz: qual a diferença de risco entre um laudo ou outro? Se não havia risco efetivo de queda, por que fechar e deixar a cidade do Rio sem estádio? E quem vai pagar essa conta?

O consórcio Engenhão garante que em momento nenhum as pessoas que passaram pelo Engenhão nesse período correram qualquer tipo de risco. Já o RDR, questiona, argumentando que se havia risco e tinha laudo de funcionamento, por que confiar em um único laudo? O grupo Engenhão diz que, depois do laudo final da SBP, nenhum engenheiro assinaria mais nenhum laudo de uso para o estádio.

MEMÓRIA

Quando assumiu a parte final da construção do Engenhão, a Odebrecht/OAS, assinou um contrato com a prefeitura dizendo não se responsabilizar financeiramente por eventuais erros de projeto. Por contrato, o município deveria pagar pelos R$ 250 milhões extras, já que o laudo da SBP apontava erro de projeto.

No entanto, o grupo negociou com a prefeitura que arcaria a obra e cobraria do Consórcio RBR na Justiça. Mesmo sabendo que pode não receber esse dinheiro ? já que o grupo é formado por empresas menores e uma em pedido de falência, a Delta ? o Consórcio Engenhão afirma ter arcado com o obra que evitar acidentes e uma falha no nome e na credibilidade das empresas.