Cotidiano

Brecht como impulso para enfrentar o grotesco do contemporâneo

INFOCHPDPICT000061234201RIO ? Como destruir ilusões geradas por ideologias, mas ?sem se iludir em relação ao real poder do teatro em destruir tais ilusões??, indaga o pesquisador alemão Sebastian Kirsch. Segundo ele, é este o dilema e, ao mesmo tempo, o desafio maior do artista contemporâneo frente às exigências do contexto social do seu tempo. Professor de estudos de teatro da Universidade Bochum Ruhr-Berlim, Kirsch é um dos convidados da ocupação ?Que tempos são esses??, que ilumina o legado artístico e político de Bertolt Brecht, morto há 60 anos.

Idealizada pela Cia. Ensaio Aberto e em funcionamento desde sexta-feira no CCBB, a mostra toma diferentes espaços do centro cultural até o dia 19 com um conjunto multidisciplinar de ações: uma exposição, uma montagem teatral, um seminário e uma mostra de filmes, além de leituras dramatizadas e oficinas.

? A ideia é levar o público a conhecer melhor não a biografia de Brecht, mas o seu trabalho teórico e artístico e, principalmente, o modo como criações cênicas e seus escritos estiveram, sempre, contaminados pelos eventos políticos e sociais ao seu entorno. Até hoje há certa impressão, errônea, de que um artista como Brecht surge do nada, sem relação com o contexto, mas não é assim ? diz o curador Luiz Fernando Lobo. ? Brecht é resultado de 30 anos de uma luta artística ligada à militância política, aos movimentos sociais à esquerda. Se você estuda a História alemã vê a sua luta contra a ascensão de Hitler e o seu governo. Ou seja, a obra sempre esteve comprometida com seu tempo, e ele falava sobre a importância da relação direta com o contemporâneo. Brecht era um artista e pensador que intervinha na realidade.

Refletir sobre essa capacidade de o teatro intervir no real e, quem sabe, transformar o homem, suas condutas e formas de se relacionar em sociedade é o que busca a mostra como um todo e, também, uma encenação inédita dirigida por Lobo e realizada por 14 atores. Na montagem, que será apresentada diariamente, de modo ininterrupto ? de duas em duas horas uma nova sessão será iniciada ?, os atores interpretam, narram ou simplesmente dizem poemas, escritos teóricos e fragmentos de obras como ?Um homem é um homem?, peça de 1924 que marca ?uma radicalização de Brecht no sentido dos temas políticos e sociais?, diz Tuca Moraes, codiretora da Cia. Ensaio Aberto.

Já a mostra de filmes, realizada em parceria com o Brecht Archive, apresentará dez obras, entre as quais filmagens de encenações nacionais e internacionais. Na segunda-feira, por exemplo, às 14h, será exibido ?Baal?, dirigido por Volker Schlondorff, e no dia 11, às 11h e às 14h, serão exibidos ?Der Hofmeister? (O preceptor), de J. Lenz, e ?Mutter Courage? (Mãe Coragem), ambos realizados a partir de encenações da Berliner Ensemble, companhia fundada por Brecht em 1949, logo após o retorno do dramaturgo à Alemanha, depois do exílio iniciado em 1933.

Esse momento extremo da História alemã ? da ascensão do nazismo e dos horrores perpetrados por Hitler no poder ? ganha espaço de destaque na ocupação, que busca iluminar o modo como Brecht se relacionou com esses tempos sombrios e como a sua obra respondeu ao fascismo, à perseguição política e também à opressão da classe trabalhadora. ?Que tempos são esses?? reflete, assim, a angústia inquieta de Brecht frente ao escuro de sua época, mas também trata-se de uma pergunta dirigida ao presente, como forma de avivar reflexões sobre as possibilidades do fazer artístico hoje, no Brasil e no mundo.

POLITIZAÇÃO DA ESTÉTICA

Mote que toma forma no seminário ?Valor de uso?, realizado dias 14, 15 e 16, das 10h às 21h. Nas mesas, além de Kirsch e de Lobo, estarão Hans Werner Kroessinger, especialista em teatro documentário alemão; Felix Meyer-Christian, especialista em teatro político; Laura Brauer, pesquisadora do teatro de Brecht e de Augusto Boal; além de Sérgio de Carvalho, pesquisador e diretor da Companhia do Latão; e do pesquisador Rafael Villas Boas, da UNB.

? Em suas obras, Brecht trabalhou para politizar a estética como uma forma de responder a uma estetização fascista da política ? diz Kirsch. ? É inquietante ler algumas propagandas do começo dos anos 1930 e ouvir a linguagem de Brecht. É como se você pudesse respirar novamente, mas sem escapar para outras ilusões políticas. Brecht descrevia o objetivo do seu trabalho como a ?destruição ideológica?, e é importante ter em mente que a vida cotidiana é sempre estruturada por certos formatos ideológicos e certas ilusões. Mas então, se essas ideologias se especializam em ilusões, os artistas de teatro são especialistas na destruição dessas ilusões.

Serviço ? ?Que tempos são esses??

Onde: CCBB ? Rua 1º de março 66, Centro (3808-2020).

Quando: Qua. a seg., das 10h às 21h. Até 19/9.

Quanto: Atividades grátis ou a R$ 10.

Classificação: Livre.