Cotidiano

Betty Miangindula, profissional da educação física: 'O esporte é um bom meio de dar força para reagir'

201609122247558123.jpg“Fiz doutorado em Educação Física pela Universidade Livre de
Bruxelas, em 1989. Sou professora da Universidade de Kinshasa. Gostava de
esportes e me interessei pelo caso dos
deficientes físicos. Por amor, me especializei em educação física adaptada.
Instituições como o Comitê Internacional da Cruz Vermelha levam educação física
a essas pessoas.”

Conte algo que não sei.

Na República Democrática do Congo,
é como se os deficientes físicos não tivessem direito à atividade física. São
negligenciados. Com a guerra que vivemos, há cada vez mais cidadãos deficientes,
amputados. Um grande número deles sofre também de depressão, de doenças
psicológicas depois dos episódios de matança. São pessoas traumatizadas. Com uma
boa política de readaptação, conseguimos trazê-las de volta.

E do que essa política de readaptação precisa?

Precisamos ajudar quem adquiriu
deficiências psicológicas, pessoas abandonadas, além da debilidade física. Na
Universidade de Kinshasa, capacitamos fisioterapeutas e fisiólogos de exercício,
que ensinam a prática voltada à saúde. São profissões importantes na
reabilitação.

E qual o papel do esporte?

É múltiplo. Como os deficientes
são diminuídos fisicamente, ficam mais expostos a doenças como diabetes e
hipertensão. O esporte pode melhorar a condição física e evitar esse fator de
risco. Com a prática, aprendem a ser autônomos no plano econômico.
Frequentemente os deficientes são mendigos. Os esportistas desviam desse
caminho. Com os recursos, conseguem ficar com a família, porque passam a levar
algo para a mesa. A cultura na República Democrática do Congo desfavorece os
deficientes. Deixa-os de lado. Com a atividade física, aos poucos, são
valorizados. Passam a se aceitar. Quem está ao redor, também.

Os deficientes recebem mais preconceito ou compaixão?

Na maioria dos casos, vivem o
preconceito. A atitude geral é a exclusão. É um problema cultural. Crianças que
nascem com enfermidade motora cerebral, por exemplo, são vistas como se
portassem algo de demoníaco. Não seria natural, mas uma punição divina. É
preciso conscientizar a comunidade. Não há um programa para advertir as crianças
de não brincar com as minas espalhadas pelo território.

Como a guerra muda seu trabalho, sua cidade?

A guerra aumenta o número de
deficientes físicos. Aqui, há 2 mil militares feridos física e mentalmente. Sem
contar os civis. As pessoas ficam pobres. Não vão mais trabalhar. Muita gente
não vai mais para o campo por medo de ser assassinado. Deixam de cultivar e isso
aumenta a miséria. Não há planejamento diante da instabilidade política.

Diante do horror, o esporte é um meio de resistência?

No Leste, onde as mulheres são
mais violentadas, há uma ONG que as ensina karatê para que se defendam dos
agressores. Com o esporte, tornam-se mais vigorosas. É um bom meio de dar força
e determinação para reagir.

A Paralimpíada é também tempo de denunciar a guerra?

Sim. Trouxemos uma atleta que é
vítima do conflito desde 2000. A Londres, levamos outro que perdeu as duas
pernas. Chama atenção para as consequências do conflito. É hora de pedir que
parem. Que não matem nem desloquem mais pessoas.

Pela primeira vez vimos um time olímpico de
refugiados.

Essas pessoas fogem da guerra, vivem situações deploráveis. Quantos morrem na
travessia? No destino, a vida não é necessariamente melhor. É bom que façam
esporte. Assim, por que não jogar sob a bandeira dos refugiados? É mais
relevante tentar resolver os problemas para que não precisem fugir. A comunidade
internacional precisa pressionar os ditadores.