Cotidiano

As histórias por trás do design das cervejas cariocas

RIO – Mascote inspirado no mar, nas montanhas e nos lagos. Nome indígena ou no idioma dos hermanos. Se na vida real rótulo é qualificação simplista e padronizada, no mundo das cervejas artesanais é pura personalidade. Com o boom no setor, as fórmulas deixam as panelas de casa e rumam para a indústria com selos criativos e coloridos para conquistar consumidores antes mesmo do primeiro gole.

É o caso da carioca 2cabeças, criada pelos cervejeiros Bernardo Couto e Maíra Kimura e hoje com uma linha de cinco cervejas. Inspirados em seres humanoides, os selos trazem personagens com cabeças que remetem ao estilo e nome batismo de cada bebida. A estreia foi há cinco anos com a Hi5, uma American IPA cujo nome remete ao gesto batizado nos Estados Unidos de duas pessoas baterem as próprias mãos espalmadas no alto em sinal de cumplicidade.

— Na época, rótulos de cervejas artesanais eram muito tradicionais, seguindo a linha das cervejarias alemãs, belgas e inglesas. O rótulo da Hi5 fez muito barulho por conta da tipologia e das cores. Hoje, o mercado está mais próximo do estilo americano, que usa a cultura pop como referência. As cervejarias brasileiras souberam resumir de forma bem nacional essa irreverência— lembra o designer e cervejeiro Bruno Couto, alçado a “terceiro cabeçudo” e sócio da empresa após assinar por anos as ilustrações das geladas.

Em comum, os rótulos das artesanais têm um objetivo: transmitir em cores e formas a personalidade da bebida.

— A cerveja artesanal não tenta ser genérica e falar com o maior número de pessoas. O rótulo resume o sabor e a história. É um nicho que cresce muito, com ilustrações que são inclusive inspiração para a grande indústria — aponta Bruno.

Na Hocus Pocus, criada em 2014, a referência vem do rock dos anos 1970 (o nome é de uma música da banda de rock progressivo holandesa Focus). E a maior parte dos rótulos é assinada pelo designer Daniel Gnatalli, como a Magic Trap e a Hush, feita em parceria com o restaurante Lasai do chef Rafa Costa e Silva.

— As inspirações vêm de diversos lugares, experiências pessoais minhas, dos cervejeiros, coisas que encontramos pelo caminho. A cervejaria tem como princípio ativo o rock psicodélico, o que calhou de ficar muito bem representado no meu traço, com cores vivas, geometrias e sinuosidades. Fazer uma cerveja artesanal é como fazer arte. Isso dá uma liberdade que geralmente se estende ao rótulo — conta Daniel, que embora seja um veterano das ilustrações estreou no mundo cervejeiro com a Hocus Pocus.

No caso da Hija de Punta, a encomenda inspirou a criatividade. Criada inicialmente a pedido do extinto restaurante Gonzalo, especializado em carnes uruguaias, a cerveja ganhou nome e rótulos que remetem ao luxuoso balneário de Punta del Este.

— Como tinha essa pegada uruguaia, fizemos essa brincadeira com o nome. Um Uruguai à carioca. A cerveja rapidamente ganhou vida própria e começou a ser vendida em outros pontos da cidade também — lembra Lucas Moura, um dos cinco sócios da cervejaria que lançou em dezembro a Piva, segundo rótulo inspirado num estilo tradicional da República Tcheca.

Mas além de música e geografia, mascotes também são mote para as criações cervejeiras. O já famoso patinho da Jeffrey, hoje distribuída até na Austrália, surgiu da amizade dos sócios.

— Somos quatro amigos há mais de 14 anos e viajamos muito. Os patos só viajam em grupo, cruzam oceanos e sempre voltam para casa. O nosso pato carioca é isso. Viajou, gostou de moda, gastronomia e se sofisticou — explica Gilson Val, sócio-fundador da marca cuja mulher desenhou a primeira versão do mascote.

A Marmota, como o nome já antecipa, foi buscar inspiração no roedor encontrado nas regiões montanhosas do Hemisfério Norte. Desde 2011 cervejeiro caseiro, Bruno Viola decidiu botar no mercado sua American IPA no estilo californiano.

— Sou apaixonado pelo meu cachorro e sempre quis botá-lo de mascote, mas já existem cervejas assim. Fui buscar referências nos cartoons como “South Park” e “American Dad”— explica Bruno. — Ter uma garrafa ajuda a pulverizar no mercado, coisa que não se consegue com chope. O rótulo marca esse momento.

Também da novíssima safra, a Kurumã apostou em referências indígenas para fugir do padrão.

— Como bebedor de cerveja, sei que rótulos chamam a atenção. Fomos pelo caminho dos ícones tropicais, da Amazônia. O nosso índio é uma persona que vai se desenvolver na linha de cervejas — adianta Vitor Antoniazzi.

Para José Raimundo Padilha, beer sommelier e consultor do Zona Sul, os melhores rótulos são atemporais:

— Contam a história da cerveja, seja ela sofisticada ou divertida. É o primeiro contato que o consumidor tem com o produto. Antes de abrir a tampinha, a pessoa precisa ser convencida disso.