Cotidiano

Artista inglesa recria seu namoro em forma de ?diário em quadrinhos?

Em inglês, soppy quer dizer algo como piegas, grudento, meloso. Antecipando-se aos críticos, a inglesa Philippa Rice fez da palavra o título da história em quadrinhos autobiográfica sobre seu namoro com o também artista Luke Pearson.

Na verdade, ?Soppy? (Fábrica231) é mais pé no chão que água com açúcar. Trata-se de uma coleção de pequenos grandes momentos do casal, ela e ele retratados com traços econômicos em preto, branco e vermelho. Ao trocar momentos épicos por passeios na chuva, idas ao mercado e tardes de videogame, do primeiro encontro à vida sob o mesmo teto, Phillipa captura a essência de se dividir uma vida ? algo universal a ponto de o livro bombar na China.

O sucesso mundial pegou de surpresa a designer, que sempre investiu em projetos ultrapessoais, como bonecos de crochê, animações surrealistas e a cultuada série ?My cardboard life?, feita com papelão, tecido e recortes. Por outro lado, o sucesso permitiu realizar um sonho: continuar levando a vida de sempre. Philippa, 30 anos, explica:

? Se recomeçasse ?Soppy? hoje, seriam essencialmente as mesmas cenas. Temos uma rotina simples e feliz.

A seguir, confira uma entrevista com a autora, que topou conversar por e-mail com a Revista O GLOBO.

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Você descreve ?Soppy? como um ?diário em quadrinhos?. Ele foi sendo realizado em tempo real?

Quando eu e Luke engatamos o namoro, comecei a desenhar algo para cada dia que passávamos juntos. Achei mais fácil e rápido do que escrever um diário ? e era um jeito legal de recordar momentos. Esses registros acabaram se transformando em ?Soppy?.

De onde surgiu a ideia dos desenhos em branco, vermelho e preto?

Dizem que foi do visual da banda The White Stripes, mas não sei de onde veio isso. Passa por um livros de decoração, ilustrações, histórias em quadrinhos. Mas a faísca veio com uma coleção de desenhos chamada ?La vilaine Lulu? (?A feia Lulu?), um livro do estilista Yves Saint Laurent.

Você se baseia na sua vida com Luke. Quanto do que está ali é real?

Tudo. Fui muito rigorosa comigo mesma para não inventar nada novo. Queria que as cenas do livro fossem um reflexo verdadeiro da realidade. Vários momentos foram editados para caber nos painéis e nas páginas. E claro que há muita coisa que não foi incluída no livro!

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O que seu namorado, Luke, acha de virar personagem de quadrinhos?

No começo, eu fazia os desenhos só para ele, e Luke sempre gostava. Depois, busquei representar o que aconteceu respeitando minha percepção e a dele ? se não, ele não iria gostar.

Os leitores se reconhecem nas situações vividas por vocês?

Muita gente já entrou em contato para dizer algo nessa linha. Pessoas até me acusaram de espioná-las, chegam dizendo que situações do livro são muito parecidas com coisas que elas mesmas viveram. Acho muito legal!

Críticos elogiam ?Soppy? pelo foco em acontecimentos banais. E sua editora brasileira pelo jeito concorda, pois mudou o subtítulo do livro de ?a love story? para ?os pequenos detalhes do amor?. O amor está nas pequenas coisas?

Acredito que sim. Quando comecei a criar esses quadrinhos, realmente não tinha um plano se seria a ?moral da história? ou qual seria a soma revelada pelo ?conjunto da obra?. Mas, assim que livro ficou pronto, a mensagem apareceu sozinha.

No Brasil, histórias em quadrinhos ainda são associadas a narrativas infantis e de super-heróis. Como você vê a situação no Reino Unido?

Aqui no Reino Unido também é assim. O que é estranho, já que há muito tempo existem quadrinhos e desenhos animados que não são de heróis nem para crianças. No entanto, essa percepção está sempre no ar.

Você sente que seu trabalho pode ajudar a mudar essa percepção?

Gosto da ideia de que alguém pode encontrar meu livro, curti-lo e descobrir que existe um monte de outros quadrinhos e livros ilustrados que não são para crianças. Isso seria incrível.

Antes de ?Soppy?, você ficou conhecida no meio pela mistura de materiais da sua série de tirinhas ?My cardboard life? (?Minha vida de papelão?). Você pensa em retomá-la?

Eu costumava fazer cinco edições de ?My cardboard life? por semana! Gostaria de fazer histórias novas com esses personagens, só que dá muito trabalho criar bonecos e cenários reais e mudar sua posição e iluminação para cada foto, que depois vira um mísero painel. Mas vou trazer a tirinha de volta, só não sei quando. No momento, estou me concentrando em outros projetos, como o canal de vídeos ?Soft spot?, que eu e Luke criamos no YouTube.

Você por um acaso conhece uma série de ilustrações chamada ?Amar é…?? Tem um casal, frases motivacionais sobre amor… Foi um febre no Brasil, e algumas pessoas veem seu trabalho como uma atualização daqueles desenhos.

Sim! Eu me lembro de ver as ilustrações quando eu era pequena! Elas são muito fofas. É um grande elogio ser comparada com ?Amar é…?

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NUDISTAS FRASISTAS MARCARAM GERAÇÕES

A fórmula é simples e eficaz: 1) no topo, o título ?Amar é…?; 2) desenho fofo de casal nu; 3) no rodapé, o resto da frase, tipo ?…entregar seu coração?, ?…ver seu futuro nas estrelas?, ?…ficar juntinho?. Nada cool, mas muito romântico. E assim, ?Amar é…? ganhou o mundo.

Os nudistas frasistas estão em livros, jornais e cartões-postais em todos os continentes. No Brasil, o álbum de figurinhas foi um febre: lançado em 1978, foi relançado em 1982, 1991 e 2005.

?Amar é…? (no original, ?Love is…?) foi criado pela neozelandesa Kim Casalli (que assinava apenas ?Kim?) em 1967 ? em ano de desbunde global, ninguém estranhou que as frases piegas fossem acompanhadas de bonequinhos pelados.

Assim como o ?Soppy?, de Philippa Rice, ?Amar é…? começou como um agrado de Kim ao seu namorado (e futuro marido) Roberto Casalli. Em 1975, quando Roberto morreu prematuramente de câncer, Kim terceirizou sua criação para o cartunista britânico Bill Asprey. Desde então, é Asprey quem faz ?Amar é…?, mas sem assinar ? no cantinho, ainda lê-se ?Kim?.