Cotidiano

Artigo: ?Violência política não é piada?, diz família Kennedy

k.jpg Em 4 de abril de 1968, dia que o reverendo Martin Luther King Jr. foi baleado
e morto, Robert Kennedy fazia campanha em Indianápolis. Bobby transmitiu a
notícia de sua morte para uma plateia despedaçada, a maioria negros. Ele teve o
cuidado de lembrar àqueles cujo o primeiro instinto poderia ser a violência que
o presidente John F. Kennedy também havia sido baleado e morto. Bobby continuou:
?O que precisamos nos Estados Unidos não é divisão; o que precisamos nos Estados
Unidos não é ódio; o que precisamos nos Estados Unidos não é violência ou
desordem, mas o amor, e sabedoria, e compaixão para com o outro, e um sentimento
de justiça àqueles que ainda sofrem dentro do nosso país, sejam eles brancos ou
negros.?

Aquele discurso se cristalizou como o retrato mais duradouro da candidatura
de Bobby. Porque ele foi extemporâneo, transmitindo diretamente, e com emoção
crua, a sua própria vulnerabilidade, suas aspirações para o seu país e uma
profunda compaixão para com o sofrimento dos outros. Bobby concluiu seu discurso
naquela noite incitando os ouvintes a voltar para casa e fazer uma oração para
nosso país e para o nosso povo. Essas palavras importavam. Embora houvesse
tumultos em cidades de todo a nação naquela noite, Indianápolis não ardeu em
chamas.

Hoje, quase 50 anos depois, as palavras ainda importam. Elas moldam quem
somos como povo e quem queremos ser como nação. No caldeirão fervente de uma
campanha presidencial, ainda são as palavras proferidas de improviso, no calor
do momento, as que mais importam. Elas dizem mais diretamente o que está no
coração de um candidato. Por isso, foi com uma verdadeira sensação de tristeza e
repulsa que ouvimos Donald Trump, o candidato republicano à Presidência,
referindo-se às opções disponíveis para ?as pessoas da Segunda Emenda? ? uma
observação, nós acreditamos, correta e amplamente interpretada como um velada
referência ou mesmo ?uma piada? sobre a possibilidade de um assassinato
político.

Violência política é um risco inerente terrível para qualquer sociedade
livre. Ditadores e homens fortes como Vladimir Putin têm essa resposta. Eles
estão cercados e protegidos pela força em todos os momentos. Eles não toleram a
dissidência. Nas democracias, esperamos que nossos líderes sejam acessíveis e,
em geral, eles querem ser. Inevitavelmente isso os torna vulneráveis, e a perda
de um líder em uma época fundamental impacta sua família, seu país e até o
mundo, por gerações. Qualquer um que ama a política, a livre competição de
ideias e a participação pública em uma sociedade livre, sabe que a violência
política é o maior de todos os pecados cívicos. Não deve ser incentivada. Não é
engraçada. Não é uma piada.

Até agora, ouvimos o suficiente da retórica sombria e ofensiva de Trump para
saber que ela reflete algo fundamentalmente perturbado e perturbador sobre a sua
candidatura. Os comentários de Trump frequentemente, se não inevitavelmente,
provocam indignação, e são seguidos por uma explicação que, em vez de ser um
pedido de desculpas, pretende atribuir os tons sombrios de suas palavras à
psiquê distorcida do ouvinte. Isso não engana ninguém.

Mesmo que você goste do que ele está dizendo ou, como um segmento crescente
do eleitorado, se você rejeita isso, é fácil compreender o significado de Trump
por suas palavras. Mas o que fazer com um candidato que apela diretamente à
violência, marca seus adversários e provoca publicamente uma família Gold
Star
(nomeação dada quando um militar perde a vida em combate), um
prisioneiro condecorado da guerra e um repórter com uma deficiência, entre
outros? Para usar as palavras do conselheiro do Exército Joseph Welch, a outro
demagogo perigoso: ?Você não tem senso de decência, senhor, afinal? Não lhe
sobrou nenhum senso de decência??

A verdade é que as palavras realmente importam, especialmente quando se trata
de candidatos presidenciais. Por essa razão somente, Donald Trump não está
qualificado para ser presidente dos Estados Unidos.

*William Kennedy Smith e Jean Kennedy Smith são sobrinho e irmã do
presidente John F. Kennedy e do senador Robert F. Kennedy, que foram
assassinados, respectivamente, em 22 de novembro de 1963 e 6 de junho de 1968.
Eles escreveram este artigo para o ?Washington Post?