Cotidiano

Artigo: ?Sou muçulmana e votei em Trump?

201611121418504417_AFP.jpgWASHINGTON ? Muito está sendo dito agora sobre os ?seguidores silenciosos do Trump?. Esta é a minha confissão ? e explicação: eu ? uma muçulmana de 51 anos, imigrante, ?de cor? ? sou um desses eleitores silenciosos de Donald Trump. E eu não sou uma ?fanática?, ?racista?, ?chauvinista? ou ?supremacista branca?, como os eleitores de Trump estão sendo chamados, nem faço parte de algum whitelash (grupo de racistas que combate os avanços dos negros na conquista de direitos civis).

No inverno de 2008, eu, que sempre fui progressista, mudei-me para a conservadora Virgínia apenas porque o estado tinha ajudado a eleger Barack Obama, o primeiro presidente negro dos Estados Unidos. Então, durante boa parte do ano passado, mantive minha preferência eleitoral em segredo: eu estava me inclinando para o candidato republicano, Donald Trump, no qual acabei votando na terça-feira.

Depois que Hillary Clinton ligou para Trump para reconhecer que ele havia sido eleito presidente dos Estados Unidos, uma amiga no Twitter escreveu uma mensagem de desculpas ao mundo, dizendo que há milhões de americanos que não compartilham o ?ódio/divisão/ignorância? de Trump. ?Envergonhada dos milhões que compartilham?, escreveu.

Isso presumivelmente me inclui. Só que não ? e foi aí que Hillary selou sua derrota. Eu certamente rejeito o ?ódio/divisão/ignorância?. Apoio a posição do Partido Democrata sobre o aborto, o casamento entre pessoas do mesmo sexo e as mudanças climáticas. Mas sou uma mãe solteira que não pode pagar seguro de saúde sob o Obamacare. O programa de mudança do empréstimo hipotecário do presidente não me ajudou. E na terça-feira, enquanto dirigia da minha cidade natal de Morgantown para a Virgínia, vi os americanos comuns, como eu, lutando para fazer face às despesas depois de oito anos de Obama.

Por fim, como uma muçulmana progressista que viveu de perto o extremismo islâmico, eu me opus à forma como o presidente Obama e o Partido Democrata lidaram com o Estado Islâmico. Naturalmente, a retórica de Trump foi muito mais do que indelicada, mas, para mim, ela foi exagerada e demonizada pelos governos do Qatar e da Arábia Saudita, em uma conveniente distração da questão que mais me preocupa como ser humano: o islamismo extremista do tipo que derramou sangue dos corredores do hotel no Taj Mahal, em Bombaim, até a pista de dança da discoteca Pulse, em Orlando, na Flórida.

Em junho, após o tiroteio na Pulse, Trump tuitou: ?O presidente Obama vai finalmente mencionar as palavras ?terrorismo radical islâmico?? Se não, ele deveria pedir demissão.? Naqueles dias, Hillary Clinton parecia fazer a dança de Obama, dizendo: ?Da minha perspectiva, importa o que fazemos mais do que o que dizemos. E importava que tivéssemos Bin Laden, não o nome pelo qual o chamávamos.?

As revelações de doações multimilionárias do Qatar e da Arábia Saudita à Fundação Clinton mataram meu apoio a Hillary. O que mais me preocupou foi a influência que as ditaduras muçulmanas teocráticas, inclusive as do Qatar e da Arábia Saudita, poderiam ter nos Estados Unidos de Hillary. Essas ditaduras não são exemplos brilhantes da sociedade progressista, com sua incapacidade de oferecer direitos humanos fundamentais e caminhos para a cidadania para imigrantes da Índia, refugiados da Síria e toda a classe de escravos de fato que vivem nessas ditaduras.

Nós temos que resistir com coragem moral não somente ao ódio contra muçulmanos, mas ao ódio dos muçulmanos, de modo que todos possam viver com sukhun, ou paz de espírito.

*Asra Q. Nomani é ex-repórter do ?Wall Street Journal? e cofundadora do Movimento de Reforma Muçulmana. Ela escreveu este artigo para o ?Washington Post?