Cotidiano

Artigo: ?Sob pressão? capta as pressões que sofremos

sobpressa_f01cor_2016130909_0.jpgRIO – Esta ficção é baseada no relato de um médico sobre a emergência de um hospital público no Rio de Janeiro. Ela mostra com muita competência vários aspectos muito próximos da realidade. Como uma boa ficção, o diretor dramatiza algumas cenas para tornar a história mais tensa e emocionante. Julio Andrade 1711

Uma cena especialmente impactante mostra a necessidade da equipe médica decidir quem operar primeiro. A escolha era entre um traficante, um policial e uma criança, todas vítimas do tiroteio entre polícia e tráfico na favela vizinha ao hospital. Enquanto um capitão da polícia insistia que a prioridade era o seu colega baleado e dizia que o traficante não deveria ser atendido, o pai da criança, pessoa influente, ameaçava a equipe médica para que seu filho fosse tratado antes dos outros.

Pressões externas podem acontecer com frequência na rotina de um médico. Elas vão desde a limitação de recursos até a tentativa de interferir na sua atuação. O filme mostra isto. Aparelhos não funcionam, alguns medicamentos faltam e o estoque de sangue termina. Para completar, um policial e um pai tentavam interferir nas decisões médicas e traficantes invadem o hospital.

Me chamou a atenção também o alto grau de estresse a que os profissionais de saúde são submetidos no filme. Pacientes muito graves, falta de condições para o melhor atendimento, interferência externa e cansaço físico. Esta combinação certamente prejudica o julgamento e reduz a qualidade do atendimento.

Por outro lado, acredito que a pressão interna dos médicos seja ainda mais importante. Eles tem seu valores próprios e a realidade os coloca frequentemente à frente de dilemas éticos e morais. No filme, apesar das pressões, a equipe agiu segundo a sua consciência moral e operou primeiro o paciente mais grave, que era o traficante. Eles fizeram um julgamento imparcial sem se submeter a interferência e ameaças.

Tenho certeza de que as secretarias municipal e estadual de saúde do Rio de Janeiro estão muito empenhadas em melhorar este quadro. No entanto, o problema é mais amplo e inclui dar condições mais adequadas de vida para a população e valorizar a saúde. Melhorar as condições de vida reduz a violência, enquanto que valorizar a saúde permite que os médicos tenham melhores condições de trabalho para atender a população.

*Flávio Nácul é médico do Hospital Universitário da UFRJ e do Hospital Pró-Cardíaco. É também presidente da Sociedade de Terapia Intensiva do Rio de Janeiro