Cotidiano

Artigo: Não desprezem o ramo de oliveira de Lula

lula fh.jpgO gesto de boa vontade de Lula a Fernando Henrique e a Temer, dizendo-se
aberto ao diálogo, é inesperado e um tanto curioso. Sendo Lula um animal 100%
político, é claro que está vislumbrando alguma vantagem além da satisfação
altruísta de ajudar o governo ? até porque sua capacidade efetiva de fazê-lo é
nula. Com o cerco da Lava-Jato apertando, Lula deve imaginar que um bom
relacionamento com seus adversários lhe possa ser benéfico. O curso da Lava-Jato
não pode mais ser alterado, mas é provável que a complacência de Temer e FH
possa mesmo lhe trazer algum benefício acessório.

Mas pode haver outros motivos. Lula está em virtual guerra com seus
adversários há cerca de dois anos. É réu em cinco processos diferentes, está sob
intensa pressão, tem 71 anos e acaba de perder a companheira de mais de 40 anos.
Deve estar cansado, e pode ter entendido que esse estado de guerra permanente
não lhe adianta a vida em nada. Pode estar em busca de uma saída honrosa para
parar de brigar. Quem sabe até salvar um pouco da biografia.

O discurso raivoso e vingativo que Lula fez no velório de Marisa Letícia
pareceu chocar-se frontalmente com a bandeira branca que ergueu apenas dois dias
antes. Pessoas normais que querem fazer as pazes não se esforçam para brigar
ainda mais. Para que sacudir as almas num momento de dor e consternação como
aquele, ainda mais podendo ser acusado, como foi, de faturar politicamente com a
morte da mulher?

Animais 100% políticos estão longe de ser pessoas normais. Lula pode estar
simplesmente mostrando suas cartas e mandando um recado: ?Vocês podem escolher
entre o Lulinha paz e amor que eu ofereci na quinta-feira e o Lula faca-no-dente
que eu mostrei no sábado. O que vai ser??

O Brasil é hoje um país cindido em dois grupos de cidadãos: uma maioria
ressentida, que se sente enganada e espoliada por Lula, Dilma e o PT, a quem
atribui, com razão, a culpa pela maior crise que o país já atravessou; e uma
minoria muito mais ruidosa, ressentida, que se sente ultrajada e injustiçada
pela maioria, que apeou (ilegalmente, em sua opinião) seu partido do poder.

O maior responsável por essa cisão é o próprio Lula, que alimentou a atitude
do ?nós, os virtuosos? contra ?eles, os canalhas? desde a derrota para Collor
até os dias de hoje, com particular violência nos últimos dois anos. A
fascinação dos militantes petistas por Lula é irracional e incompreensível, mas
nem por isso menos concreta. Se só ele é capaz de armar seus espíritos, só ele
será capaz de desarmá-los.

Para retomar o caminho da prosperidade, precisamos voltar a ser um país só.
Temer sabe disso, já declarou mais de uma vez que seu critério de sucesso é a
pacificação do país. Fernando Henrique também sabe. O ramo de oliveira com que
Lula acenou não deve ser desprezado: se os três puderem negociar um caminho que
permita levar os brasileiros, dos dois lados, a entender que é hora de deixar o
passado no passado, que temos que nos reconciliar e olhar para frente, a chance
não deve ser desperdiçada.

*Ricardo Rangel é administrador de empresas