Cotidiano

Artigo: ?Nada será como antes? procura destacar a memória

RIO – Em todo trabalho que realizo com a imagem, para cinema ou televisão, cuja história se passa no passado, procuro na largada substituir a expressão ?de época? por ?sobre uma época??. Porque eu não estou vivendo aquela época, estou falando dela e por ela. Falar sobre uma época é procurar referências cujos elementos icônicos são bem explorados pelo cinema e pela televisão. Links Nada será como antes

O cinema americano definiu uma visualidade que é apreendida imediatamente, ou seja, trata-se de ?um filme de época?. O complexo imagético da história passa a atuar num ponto do cérebro já conhecido e tudo flui.

Em ?Nada será como antes?? procurei os elementos menos utilizados. Por exemplo, lancei mão da objetiva Zoom (lente mecânica que contém todas as objetivas), muito utilizada no final dos anos de 50 e nas décadas seguintes pelo cinema e depois pela televisão. Passamos a utilizar o ?efeito? e assumimos o código desse instrumento que, com o passar dos anos, por conta do abuso, se vulgarizou.

No cinema, a lente Zoom é chamada de ?lente dos preguiçosos?, pela facilidade que oferece no enquadramento e pela anatomia da construção ótica. Para alguns era fácil sair de um plano geral até o close sem grandes complicações, apenas girando um anel externo da lente. Para não repetir o mau uso do efeito, procuramos a intenção da narrativa durante a feitura do plano, fazendo o espectador sentir a emoção e não a presença de qualquer aparato técnico.

A imagem construída na televisão da época da história se dava por raios catódicos no tubo do equipamento, o que resultava numa imagem quase quadrada nos aparelhos domésticos. Diferentemente de hoje, cuja abrangência panorâmica já é um fato comum. Captamos a imagem em 16×9 digital, sem esquecer os elementos da linguagem da época. Poderíamos comparar com a forma de algumas trilhas sonoras, quando atuam sobre narrativas do passado com música contemporânea. Nada mais anacrônico, mas admitimos naturalmente pois os códigos já estão estabelecidos.

Portanto, alguns elementos da visualidade são fundamentais: o Zoom e o espaço maior sobre as cabeças dos personagens, muito comuns na época da história. Quanto à imagem, no que diz respeito à iluminação, suavizamos as fontes, amenizando as arestas com a ajuda de filtros. Recursos combinados para criar uma espécie de ?veladura?, como se diz em pintura. Figurinos, cenários e luz procuram levar o espectador para uma viagem na memória. Em vez de falar do passado, procuro falar da memória dele.

Como o pano de fundo é a chegada da TV, optamos por filmar os monitores da época, focalizados nos estúdios, em preto e branco. No entanto, a trama que segue fora dos monitores é em cor, o que admitimos com naturalidade. O fora de padrões se infiltra na convenção, erro inerente à arte de contar histórias com a imagem.

O papel do texto é fundamental. Criamos a imagem a partir da palavra. E tudo acontece quando o ator interpreta sem que o espectador perceba elementos imagéticos e fique apenas com a emoção, que é o que o prende indefeso diante da TV. Para concluir, lembro palavras de Francis Bacon: ?provocar emoções sem o tédio da comunicação??.

*Walter Carvalho é diretor de fotografia de ?Nada será como antes??