Cotidiano

Artigo: Nada fará a comunidade LGBT voltar ao silêncio

FLORIDA-SHOOTING_ (2)

Acordei no domingo com a notícia horrível e alarmantemente comum de um episódio violento com armas e terrorismo. Mas era diferente. O alvo do atirador era a comunidade LGBT. Eu me preparava para marchar na Parada do Orgulho Gay da Filadélfia. Nunca me questionei se eu marcharia. Levei horas para entender por quê.

Enquanto marchava, eu me confrontei com imagens da primeira marcha do orgulho gay, em 28 de junho de 1970, em Nova York. Era a chamada Marcha do Dia da Libertação da Rua Christopher, e eu estava lá. Não sabíamos o que esperar, já que nenhum grupo de homossexuais havia saído por Manhattan para proclamar o orgulho de serem quem eram. A cidade não nos deu a permissão, mas nós marcharíamos com ou sem ela. Como a comunidade LGBT não costumava deixar Greenwich Village como um grupo, esperávamos violência e nos preparamos com aulas de resistência. Aos 18, eu era um dos mais jovens na marcha.

Até ali, não mais que 100 gays assumidos haviam se organizado em marcha, piquete ou protesto. Mas esta seria um ano depois das revoltas de Stonewall, e queríamos celebrar o orgulho em nossa comunidade, na juventude e nas organizações transgêneras que havíamos construído. Havíamos levantado juntos sistemas de suporte legal e médico e até o primeiro centro LGBT do mundo. Queríamos celebrar.

No dia da marcha, não sabíamos se haveria mais de 100 pessoas valentes o suficiente para ir à rua conosco. Mas, quando chegamos à 23ª, olhei para trás e me arrepiei. A contagem final registrava entre 5 mil e 15 mil marchantes.

Assim como naquela época, a parada de domingo não era mais uma mera celebração, era uma marcha de resistência. Foi a Marcha do Dia da Libertação da Rua Christopher. As últimas décadas registraram sucesso após sucesso para nossa comunidade, mas aqueles de nós que estavam lá nos primeiros dias lembramos da violência. Lembramos de Stonewall, e as revoltas de Compton em São Francisco. Lembramos dos inúmeros bombardeios em nossas igrejas; lembramos dos encarceramentos, da brutalidade da polícia. Nós lembramos de Matthew Shepard, que foi espancado e largado a morte em Wyoming. Lembramos dos tantos que foram lobotomizados, de uma nação e de seu presidente que deram as costas quando uma praga matou milhares. Em 1973, 34 pessoas morreram quando a boate LGBT Upstairs Lounge foi bombardeada em Nova Orleans.

?Orgulho nos salvou?

Essa é a história de violência contra nossa comunidade que foi ignorada em favor da celebração. Orlando é a prova de que o que começamos em 1969 ainda é verdadeiro. Nós lutamos não apenas pela vida; lutamos para ter uma vida. Uma vida para além do silêncio, do que era esperado de nós antes do movimento decolar.

O que nos salvou esses anos todos foi o orgulho. Todos de nós que marchemos em eventos deste mês o faremos em honra dos mortos não só em Orlando, mas em todo o país. Foi preciso um tiroteio em massa para levar a atenção da mídia de volta para o verdadeiro problema: somos odiados pelo que somos, por como vivemos, por nosso esforço em conquistar um mundo mais inclusivo.

Nada vai substituir as vidas perdidas em Orlando. Vai levar tempo para fechar as feridas. Mas nossa comunidade vai aguentar. Nós que marchamos reiteramos o compromisso firmado em Stonewall e no primeiro evento do orgulho gay: estaremos na rua, com orgulho, e não há nada que se possa fazer para nos forçar de volta ao silêncio.

(Escritor e ex-presidente da Associação de Imprensa de Gays e Lésbicas)