Cotidiano

Artigo: Impeachment, golpe e democracia

daniel_aarao_1.jpgA narrativa do golpe e as comparações com as crises do período anterior a 1964 não resistem a uma análise crítica. O impeachment é hipótese ancorada na Constituição de 1988 que, a despeito de avanços substanciais, manteve vários aspectos autoritários, entre os quais, o dispositivo altamente arbitrário do impeachment. Impeachment votações

As forças politicas conservadoras, hegemônicas, infelizmente acompanhadas pelas esquerdas, não suscitaram o debate sobre o impeachment ? medularmente autoritário e antidemocrático, porque atribui a algumas centenas de pessoas o ?direito? de depor um presidente eleito por dezenas de milhões de votos.

Poderia ? e deveria ? ter havido uma discussão sobre o plebiscito revocatório, este, sim, um mecanismo democrático de deposição, pelo voto popular, de um mandatário eleito pelo povo. Entretanto, não houve debate sobre o assunto. Mais tarde, quando Collor foi derrubado por ampla frente política, prevaleceu também o silêncio. Mais um erro ? grave. Armou-se um precedente.

Em seguida, petistas e outras esquerdas tentaram novamente acionar o impeachment para depor FHC, eleito igualmente por dezenas de milhões de votos. A história agora se repete ? o impeachment de Dilma é um atentado à democracia, mas o atentado se faz à sombra da lei, da Constituição, é um atentado legalizado. Tentar esconder este fato e mergulhar na discussão jurídica é perder de vista que um presidente sofre impeachment por considerações de ordem política; argumentos e contra-argumentos jurídicos sempre serão esgrimidos, mas são folhas de parreira para esconder a vergonha. E a vergonha é que há aí um câncer antidemocrático ? o impeachment é este câncer.

Uma reforma política democrática deverá extirpar o impeachment da Constituição, substituindo-o pelo procedimento do plebiscito revocatório. Enquanto isto não for conseguido, a sociedade continuará refém de elites políticas e de suas inclinações antidemocráticas.