Cotidiano

Artigo: Farage, o outro ?pai? do referendo

2016 918798109-201606241018289016_RTS.jpg_20160624.jpgO hobby de Nigel Farage é visitar campos de batalha da Primeira Guerra Mundial. ?Campos de garrafa? (trocadilho entre battle e bottle), corrige um companheiro seu em uma entrevista para a BBC, em alusão ao costume do grupo de secar as adegas dos restaurantes antes de mergulhar na comunhão com a História. Ali, ao léu, Farage pensa no Velho Continente. E em como, por que diabos, tudo deu errado.

Se tem algo do que não se pode acusar Nigel Farage, de 53 anos, é de incoerência política, virtude que foi escassa nessa campanha. O líder pró-permanência, o primeiro-ministro David Cameron, esbravejava contra a UE há apenas cinco meses. Para Jeremy Corbyn, líder trabalhista que se gaba da fidelidade a seus princípios, o projeto europeu é um mal menor, pelo qual ele renunciou a abrir uma nova frente de atrito com seu partido, elaborando um europeísmo tímido cheio de matizes. E o que dizer de Boris Johnson, rosto visível da campanha do Brexit, que decidiu o seu lado horas antes do início da batalha, provavelmente guiado por suas ambições políticas, e que se definiu como ?pró-imigração? à frente de uma campanha baseada no controle das fronteiras?

Já Nigel Farage, não. Quando ele se graduou no prestigioso Dulwich College e se lançou para tentar enriquecer na cidade, tinha o seu inimigo bem identificado: o projeto europeu. Ele tentou entrar no Parlamento britânico sete vezes e fracassou em todas elas. A dispersão geográfica dos 3,8 milhões de votos de seu partido nas eleições gerais de 2015, mais que a soma do terceiro e do quarto partidos da Câmara, lhe deixou, de novo, sem cadeira. A única que o Ukip obteve é a que pertence a Douglas Carswell, desertor dos conservadores que não se dá bem com Farage.

Mas quem quer uma cadeira se, em sua visão de mundo, cada pub é um Parlamento? Filho de um corretor alcoólatra da Bolsa, que abandonou a casa quando ele tinha 5 anos, Farage fez com que o copo de cerveja se tornasse uma extensão de sua figura e uma interface para se conectar com o inglês mediano. Três canecas foram enxugadas no almoço com um jornalista do ?Financial Times?, além de mais da metade de uma garrafa de Bordeaux e um copo de vinho do Porto. O álcool é o combustível de seus debates inflamados. Antes de subir ao palco num debate na TV, o chefe do Centro Metodista de Westminster lhe confiscou duas garrafas de gim. Ao contrário do gim e da tônica, ele diria mais tarde: ?O metodismo e faragismo não combinam muito?.

Pablo Guimón é correspondente do ?El País? no Reino Unido