Cotidiano

Artigo: Cauby foi glamouroso, musical e polêmico desde sempre

201605161555284711.jpgRIO ? Quando eu estava escrevendo a biografia do ?Professor? e ligava para alguém para colher um depoimento, a simples pronúncia de seu nome já causava frisson. Repetiam: ?Cauby?????!!!!?, e logo a seguir havia um suspiro, uma exclamação, um sorriso. E assim foi desde que ele surgiu. Um rapaz delicado, educado, com voz macia ? graves, médios e agudos perfeitos ?, lágrima na voz, romântico, exagerado às vezes, enfim, Cauby.

Links Cauby Peixoto

Cauby já nasceu com este nome artístico, retirado do romance ?Iracema?, de José de Alencar. Nasceu numa família de músicos e teve um grande padrinho ? o industrial, dublê de compositor e empresário Di Veras, figura visionária que, tendo à sua frente aquele diamante bruto, utilizou com ele truques de marketing aprendidos nos Estados Unidos num tempo em que isso era novidade. Criou slogans, assegurou sua voz em ?3 milhões de cruzeiros?, o fez tirar fotos ao lado das maiores beldades e de famosos de seu tempo, o fez vestir os melhores ternos do mercado, trocou seus dentes… Tudo isso para promover ?o maior cantor do Brasil?. E, de fato, de um simples crooner da noite paulista ele se tornou mesmo o maior de todos ? em apenas seis meses.

Estávamos em 1954, auge do moralismo dos anos dourados. Como enfrentar um homem feminino, sedutor e com aquela musicalidade assombrosa? Mas ele sobreviveu aos detratores, cantando um repertório bem popular, com pérolas sofisticadas aqui e ali. Sobreviveu também a uma tentativa frustrada de carreira nos EUA que o fez viajar quatro vezes para Nova York durante o seu auge, e a partir dos anos 1960 virou um grande cantor da noite. Cantou em tudo quanto foi churrascaria, inferninho e boate ? até na famosa Drink, que arrendou com os irmãos no Leme, entre 1964 e 1968. Foi o Rei da Noite na época que os holofotes da mídia pareciam ter se apagado para ele. Mas eis que em 1979, Elis Regina o convida para cantar ?Bolero de satã? em seu disco. Daí que não por acaso, no ano seguinte, João Araújo da Som Livre decide reerguê-lo. Nasce o LP ?Cauby, Cauby? e seu segundo maior emblema após ?Conceição?: ?Cantei, cantei, jamais cantei tão lindo assim?. E sua interpretação se renovou.

Dali para a frente, Cauby nunca mais foi ignorado pela mídia em geral. Já mais irreverente e extravagante no visual, como um Liberace tupiniquim, cristalizou uma imagem híbrida de masculino e feminino, brasileiro e internacional, antiquado e moderno, brega e chique. Antônimos que Cauby amava. Adorava ser polêmico: ?Falem mal, mas falem de mim?, dizia. Quantas vezes rimos muito juntos, lendo matérias que o esculhambavam, e quantas vezes ele levantava o polegar para mim, apontando um artigo, feliz com elogios que escreviam sobre ele! Sim, ele nos deixou anteontem, mas aos 85, tendo cantado há duas semanas no palco do Teatro Municipal do Rio. Pode haver um fim mais glamouroso do que esse? É por isso que ele não vai morrer nunca, porque criou um imaginário ?Cauby? pra gente. Onde houver uma bela voz, uma sedução, uma elegância, um glamour… Cauby estará presente. Ele não virou estrela, apenas eternizou-se.

*Rodrigo Faour é jornalista, produtor, historiador de MPB e biógrafo de Cauby Peixoto.

Imagens da carreira do cantor Cauby Peixoto