Cotidiano

Após pressão, governo mantém a SEC, que segue com Eva Doris

INFOCHPDPICT000045720616RIO ? Um telefonema recebido anteontem mudou o rumo da cultura no estado do Rio. O governador Luiz Fernando Pezão ligou para a secretária de estado de Cultura (SEC), Eva Doris Rosental, para comunicar que o órgão que ela comanda terá sua autonomia mantida, conforme adiantou ontem o colunista do GLOBO Ancelmo Gois. Um mês antes, Pezão havia anunciado sua extinção por decreto, segundo o qual a partir de 1º de janeiro de 2017 a Cultura estaria submetida à Secretaria estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação. A divulgação da decisão impulsionou um amplo movimento reivindicatório por sua permanência. Guiado por representantes do Conselho Estadual de Política Cultural e por diversos movimentos culturais, a campanha #FicaSEC ganhou adesão popular e de um grande número de deputados, que iniciaram a redação de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) com objetivo de transformar a secretaria em um direito fundamental na Constituição Estadual. Pressionado, o governador decidiu manter a SEC, que seguirá sob a chefia de Eva Doris, no cargo desde janeiro de 2015.

Como recebeu a notícia da manutenção da secretaria?

O governador me ligou ontem (segunda-feira) à noite e disse que a secretaria não seria mais extinta ou fundida. Ele disse: ?Vamos continuar como estamos?. Foi uma ligação breve.

Que fator foi decisivo para o governador mudar de opinião?

O fator que fez a diferença foi a grande e plural mobilização em torno do #FicaSEC. Hoje, na política, há novos fatores e forças em jogo, e o governador pôde perceber ou descobrir o quão importante e forte é a Cultura. Existe, hoje, um conselho estadual atuante, com representantes de todos os segmentos artísticos e de todos os municípios do estado. Os representantes do conselho, os movimentos populares, os produtores e artistas estiveram muito presentes nessa defesa, então foi um conjunto de ações que pressionou o governador. Essa mobilização atuou junto aos deputados também, que reagiram positivamente e decidiram escrever um projeto de lei que extinguiria o decreto do governador que acabava com a SEC. Foi um somatório de forças. É uma vitória dos movimentos culturais de todo o estado. Muitas pessoas se deslocaram de municípios distantes para estar aqui, reivindicando a permanência da SEC. Os deputados ficaram impressionados com esse movimento.

E a que credita essa grande capilaridade da mobilização?

A secretaria é fundamental para a existência da cultura fora da capital. A SEC é uma secretaria apartidária, plural, que trabalha com todos os municípios do estado. E isso gerou um movimento muito legítimo.

Na conversa com o governador houve espaço para traçar novas perspectivas para a SEC ou falar da defasagem no orçamento da pasta?

O governador está focado na crise financeira do estado como um todo. As dificuldades da SEC são resultado dos problemas que o governo enfrenta. A agenda dele está voltada a resolver o orçamento do estado, um déficit público de bilhões.

Há editais lançados e com resultados divulgados, mas sem previsão de pagamento. Como planeja equacionar esses problemas?

Estamos com alguns editais a serem pagos, mas eu não posso planejar esses pagamentos enquanto não cessarem os problemas financeiros do estado. Quem paga é a Secretaria de Fazenda, mas a Fazenda não conseguiu até agora organizar o caixa. Só vou poder honrar os nossos compromissos quando a Fazenda voltar a ter autonomia em relação ao caixa do governo.

Em termos concretos, qual é a importância da manutenção da SEC?

Em primeiro lugar, o Sistema Nacional de Cultura tem como diretriz a existência de secretarias de Cultura nos estados, e extinguir a SEC é ferir o SNC. Além disso, se a Cultura não existe enquanto uma secretaria ela não pode, por exemplo, receber verbas diretas vindas de ministérios, assim como outros recursos. Ela precisa ser uma secretaria autônoma para isso. Sendo uma subsecretaria, perderíamos autonomia de gestão e capacidade de receber recursos. Ficaríamos sujeitos a outro ente. A SEC é uma estrutura importante para a economia do estado, com instrumentos como o Rio Criativo, a Lei de Incentivo à Cultura, com importantes equipamentos culturais.

Num contexto em que o governo luta para amenizar a sua dívida pública, a Cultura, na visão de muitos, poderia funcionar como um propulsor da economia do estado. Como avalia o olhar do governo em relação ao potencial econômico da pasta?

O Rio ancorou a sua economia no petróleo e o cenário mudou, drasticamente. Nesse contexto, a Cultura deve passar a ser vista como potencial econômico. Os setores de inovação e da indústria criativa são grandes ativos e indutores de desenvolvimento. Então toda essa mobilização, em meio a uma crise econômica, serviu para iluminar esse potencial econômico da Cultura. A Cultura não é só despesa. Ela deve ser vista como um investimento capaz de gerar recursos para o estado de forma exponencial. Precisamos pensar, agora, esse país e o estado para os próximos 20 ou 30 anos. Para que possamos sair desse pântano, para além de renegociar dívidas, precisamos construir estratégias sólidas, a longo prazo. Não nos faltam exemplos do potencial da indústria cultural e criativa como gerador de recursos na Europa e nos Estados Unidos, através de museus, da indústria audiovisual, dos festivais. Existem cidades inteiras, como Edimburgo, na Escócia, por exemplo, que têm sua economia impulsionada por um conjunto de iniciativas culturais. Pensar nesse estado para os próximos 30 anos é pensar no potencial da Cultura como alavanca para a economia.

PERMANÊNCIA DO ÓRGÃO ?É SÓ UMA ETAPA?, DIZEM PRODUTORES

INFOCHPDPICT000063177849Entidades que integram o movimento #FicaSEC comemoraram a decisão do governador Luiz Fernando Pezão de manter a Secretaria estadual de Cultura, mas realçaram que a conquista é apenas um passo de uma luta muito maior.

A presidente do Conselho Estadual de Política Cultural, Cleise Campos, por exemplo, vai se reunir hoje à tarde com o vice-governador Francisco Dornelles para cobrar a expansão das políticas culturais.

? Temos um histórico de concentração de recursos e equipamentos culturais nas capitais, e é preciso expandir para todo o estado. A SEC foi mantida, mas temos de garantir que a sua estrutura não será reduzida. Passamos por uma etapa, mas a caminhada continua.

Adriana Schneider, do Reage Artista, reforça o discurso, e lembrou que o risco de extinção de órgãos de políticas culturais começou em nível nacional, quando chegou-se a fundir o Ministério da Cultura à pasta da Educação por um tempo curto. Agora, o temor é que a secretaria municipal também possa ser alvo de transformações.

? A permanência da secretaria foi um gesto que integra um objetivo mais amplo de defesa das políticas culturais ? disse Adriana, que credita a decisão de Pezão à pressão dos movimentos dos artistas. ? É uma conquista totalmente nossa, dos agentes de cultura. Se não tivéssemos feito nada, teríamos fatalmente perdido a secretaria.

Desde o começo de novembro, os grupos ? que incluem o Teatro pela Democracia, Diálogo em Circo e Fórum Permanente da Dança, entre outros ? têm se manifestado e dialogado com deputados para destacar a importância da manutenção da secretaria.

Na semana passada, o Conselho Estadual de Política Cultural e outras entidades do circuito artístico ocuparam o Teatro Municipal. Anteontem, reuniram-se com a primeira-dama do Estado do Rio, Maria Lúcia Horta. O encontro foi considerado o ?ápice? da luta do Fica SEC, segundo Cleise Campos:

? A primeira-dama teve o papel de interlocutora, já que as tentativas de chegar ao Pezão não foram suficientes ? diz. ? Nosso argumento era de que, mesmo com o cenário de crise, vale a pena a permanência da SEC, uma vez que se trata de uma área que trabalha com a criatividade. A secretaria estabelece, com os municípios, ações rigorosas e diálogo com agentes culturais que anos atrás não estavam no arco do reconhecimento.