Cotidiano

Após prêmio em Cannes, Eryk Rocha se prepara para gravar ficção sobre noite do Rio

RIO – Exatamente uma semana depois de sair de Cannes com o troféu Olho de Ouro, prêmio paralelo concedido ao melhor documentário exibido no festival, Eryk Rocha relembra a sua passagem pelo evento, onde projetou pela primeira vez o seu ?Cinema Novo?, com emoção:

? O nascimento de qualquer obra é um acontecimento muito forte, ainda mais numa tela de Cannes e durante esse momento político em que vivemos.

Links Cannes 18/5

O contexto em que surge o filme, previsto para ser lançado no fim deste ano, é relevante para o diretor de 38 anos porque, embora ?Cinema Novo? trate do movimento cinematográfico que revolucionou esteticamente o audiovisual brasileiro nos anos 1960, também encontra paralelos com a situação conturbada por que passa o país. O documentário conta com entrevistas e cenas das obras produzidas por expoentes do movimento, entre eles Nelson Pereira dos Santos, Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade e Glauber Rocha, pai de Eryk ? que dedicou o prêmio mais recente aos estudantes e artistas que estão ?resistindo e lutando? contra o que o cineasta considera ?retrocessos do processo democrático no Brasil?. Ele próprio, anteontem, esteve presente em atividades no Palácio Capanema, no Rio, onde o movimento Ocupa MinC pede a destituição do governo interino de Michel Temer.

? A geração do Cinema Novo tinha uma forte paixão pelo Brasil, inclusive muitos daqueles cineastas deram a vida pela arte e enfrentaram a ditadura. A geração atual também atravessa, num contexto diferente, a interrupção do processo democrático ? desenvolve Eryk. ? É difícil para qualquer um não ser afetado por essa realidade, e o cinema é mais uma forma de traduzi-la.

Apesar de ter vencido o Olho de Ouro, prêmio que em seu segundo ano de existência teve Gianfranco Rosi (de ?Fogo no mar?, ganhador do Urso de Ouro no Festival de Berlim) como presidente do júri, ?Cinema Novo? não foi uma unanimidade. Para a ?Variety?, uma das mais importantes revistas dedicadas ao mundo cinematográfico, o filme será mais bem apreciado por quem já conhece o movimento, já que ele ?mal identifica as cenas, juntando-as para criar uma atmosfera? em vez de informar didaticamente sobre o Cinema Novo. O autor do texto, Jay Weissberg, diz ainda que o problema surge já no começo do filme, em que há uma montagem de clipes mostrando pessoas correndo. ?Dada a presença quase onipresentes de cenas semelhantes em quase todos os trailers da última década, esse empilhamento soa quase banal, o que é uma pena, já que o Cinema Novo foi tudo menos isso?, dispara o autor.

?ENSAIO IMPRESSIONISTA?

Trailer Cinema Novo Eriyk Rocha

Eryk parece rebater a crítica antes mesmo que haja a oportunidade de trazer o assunto à conversa:

? O projeto foge do aspecto anedótico e historicista, e o foco nunca foi romantizar o Cinema Novo, tampouco explicá-lo, como inúmeros estudos já fizeram. Até porque até hoje é difícil definir com precisão o que foi o Cinema Novo. Em vez disso, quisemos colocá-lo como um ?movimento em movimento?. Como aqueles filmes ecoam nos dias de hoje? Como aquela energia política e estética dialoga com a contemporaneidade?

O cineasta acha, portanto, que a justificativa dos jurados do Olho de Ouro (que contou com a participação de Amir Labaki, diretor do festival É Tudo Verdade) para premiar ?Cinema Novo? capturou muito melhor o espírito do filme. Eles disseram: ?É um ambicioso ensaio impressionista que nos lembra que o cinema pode ser político e sensual, poético e engajado, formal e narrativo, ficcional e documental?.

A relação entre cinema e realidade não é uma abordagem nova para Eryk, cuja filmografia é composta, em sua maioria, por documentários, como ?Rocha que voa? (2002), ?Jards? (2012) e ?Campo de jogo? (2014). Até mesmo a sua única ficção, ?Transeunte? (2010), funciona como um retrato do cotidiano carioca a partir do ponto de vista de um idoso, vivido por Fernando Bezerra.

a questão da cidade em movimento sempre me instigou. Vivemos numa realidade em ebulição que está sempre te devorando.

? Desde o começo, quando estudei cinema em Cuba, aos 18 anos, eu tinha relação artesanal com as imagens, no sentido de gostar da câmera e de filmar com uma equipe reduzida. O cinema entrou na minha vida de forma corpórea, e a questão da cidade em movimento sempre me instigou. Vivemos numa realidade em ebulição que está sempre te devorando.

O cineasta se prepara para começar a rodar, em outubro, a sua segunda ficção, ?Breves miragens do Sol?. Ele evita detalhar a trama. Sabe-se, no entanto, que o longa vai abordar a ?realidade da noite do Rio?, dessa vez pelo olhar de um taxista. A associação com ?Transeunte?, fotografado em preto e braco, pode ser imediata, mas o cineasta se apressa em apontar as diferenças:

? O arco dramático será mais complexo, e dessa vez o filme será praticamente noturno, além de ser filmado em cores. É uma outra cidade para investigar ? esclarece. ? Passei a infância jogando bola e fazendo besteiras na rua. Assim, meu cinema incorporou minha experiência de vida.