Cotidiano

Após pedaladas, TCU endurece monitoramento das contas públicas

BRASÍLIA – Gerir as contas públicas se tornou uma tarefa mais difícil a partir de 2015. Depois de constatar o estrago que as “pedaladas” (atrasos nos repasses de recursos do Tesouro para bancos públicos) da presidente afastada Dilma Rousseff fizeram nas finanças brasileiras, o Tribunal de Contas da União (TCU) passou a olhar com lupa todos os passos que a equipe econômica dá para atingir a meta fiscal.

Os técnicos do TCU também passaram a considerar suspeitas e passíveis de punição práticas que não haviam sido questionadas anteriormente, o que vem contando com o aval dos ministros ao elaborarem seus votos. Esta mudança de postura provocou uma reação: técnicos do governo acostumados a uma rotina de determinadas práticas passaram a ter medo de assinar atos antes corriqueiros.

O principal exemplo disso foi alterar a meta fiscal no meio do ano e gerir o Orçamento com base nela antes da aprovação do Congresso. Essa prática foi questionada pelo Tribunal em 2014 e em 2015, mas já havia ocorrido em 2009 e 2002 sem levantar preocupações.

Outra conduta corriqueira era editar decretos de suplementação de crédito. Isso ocorreu em 2015, foi apontado como algo irregular pelo TCU e faz parte do processo de impeachment da presidente Dilma. No entanto, em 2009, o governo Lula também editou esses decretos, que não afetam a meta fiscal, sem ser questionado.

O questionamento mais recente, de uma prática também tida como recorrente, foi sobre a edição de medidas provisórias criando créditos extraordinários com características de suplementares. O apontamento integra a lista de 23 indícios de irregularidades das contas de 2015 da presidente afastada.

‘RESULTADOS SERÃO MAIS AJUSTADOS’

Especialistas ouvidos pelo GLOBO afirmam que a mudança de conduta do TCU representa uma reconstrução da disciplina fiscal que se perdeu no Brasil nos últimos anos, mas pode fazer com que haja um afrouxamento da política no curto prazo. Para a professora da UFRJ e especialista em contas públicas Margarida Gutierrez, as exigências do TCU vão fazer com que os gestores tenham maior cuidado na hora de tomar decisões.

Ela admite que, num primeiro momento, isso pode fazer com que o governo trabalhe com metas fiscais menos rígidas, que acomodem choques, para evitar riscos de ter que propor uma alteração na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) já aprovada pelo Congresso. Ela lembra que isso foi o que aconteceu em 2016, quando o governo Michel Temer reviu a meta para um déficit de R$ 170,5 bilhões.

— No início, é natural que o governo trabalhe com uma meta mais ampla para evitar problemas. Fizeram isso este ano para não ter problemas num momento em que a economia está em recessão e ainda não se sabe ao certo quando a arrecadação vai se recuperar. Isso também vai acontecer em 2017. Mas no médio prazo, quando a economia voltar a uma normalidade, os resultado serão mais ajustados — afirma Margarida.

— É melhor que haja mais controle e um menor grau de liberdade fiscal em prol de uma meta mais transparente. A meta de 2016 está um pouco inchada mesmo para acomodar mais despesas. Mas essa estratégia é de curto prazo. O governo não pode ficar apresentando déficits sucessivamente — afirma o especialista em contas públicas Felipe Salto.

Técnicos da equipe econômica que trabalharam na execução da política fiscal nos últimos anos também afirmam que as mudanças no entendimento do TCU podem tornar a meta fiscal menos ousada:

— A meta de superávit fica menor para você reduzir riscos. Fixa-se uma meta em que não haja perigo de descumprimento — afirma um interlocutor do governo.

Ele lembra que a estratégia do TCU pode fazer com que as mudanças também deixem os executores da política fiscal mais temerosos. O Tribunal aplicou uma retroatividade a condutas que não haviam sido condenadas anteriormente:

— É complicado que uma prática que sempre foi utilizada seja condenada e que a punição seja retroativa na mudança do entendimento. Isso aconteceu em relação aos decretos de suplementação e à meta fiscal. As pessoas passam a ficar com medo de assinar algo que sempre foi considerado correto, mas que agora se tornou irregular.

INTERAÇÃO COM CONGRESSO

Integrantes do TCU, no entanto, afirmam que a tendência a partir de agora é que o Tribunal tenha uma interação mais próxima com o Congresso, que ficará mais atento e evitará problemas futuros na condução da política fiscal.

As novas ofensivas do TCU, com foco principalmente na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), na lei orçamentária e na Constituição, no entanto, provocam reações entre os próprios ministros, diante de considerações sobre irregularidades que antes não eram apontadas em relatórios técnicos e votos de relatores. Isto ocorreu claramente na primeira análise das contas de 2015 de Dilma, que tem prazo de 30 dias para explicar 23 irregularidades.

O relatório dos auditores listava como uma das irregularidades das contas o fato de a Infraero represar R$ 518 milhões e não repassar o montante ao Fundo Nacional de Aviação Civil, destinado a obras de infraestrutura aeroportuária. Antes da sessão, os ministros chegaram a um acordo e excluíram o item da lista de problemas que Dilma precisa explicar. Eles não viram por que responsabilizar a presidente a respeito de uma irregularidade específica numa estatal.

Outros pontos mantidos geraram desconfiança e podem acabar fora do parecer final. O ministro Benjamin Zymler, por exemplo, manifestou dúvida sobre o uso de medidas provisórias para créditos extraordinários ser considerado uma irregularidade, como consta no documento aprovado no dia 15 em plenário, ocasião em que se aprovou um prazo de 30 dias para Dilma dar explicações.

— A edição de MPs autorizando créditos com natureza de suplementares é do nosso metiê. Isso precisa ser melhor analisado — disse o ministro na sessão.