Cotidiano

Apesar de incerteza com Trump, BC não deve usar reservas cambiais, dizem analistas

SÃO PAULO – A volatilidade esperada com o incerto governo de Donald Trump nos Estados Unidos não deve levar o Banco Central brasileiro a usar as reservas cambiais para evitar transtornos nos mercados financeiros, segundo analistas consultados pela Reuters.

A vitória de Trump resultou em turbulência para o mercado financeiro, sobretudo para os países emergentes ? no Brasil, o dólar chegou a valer mais R$ 3,50 reais logo após ser conhecido o resultado da disputa eleitoral, uma valorização de mais de 10% sobre o patamar de R$ 3,16 até então. No auge do estresse, na semana da vitória inesperada do republicano, profissionais do mercado financeiro sinalizaram que a autoridade monetária poderia se desfazer de parte das reservas, hoje próximas de US$ 375 bilhões, para atenuar a valorização do dólar, evitar volatilidades e até mesmo reduzir impactos inflacionários.

Por ora, o BC não vendeu reservas, mas chegou a aumentar a intervenção no câmbio por meio dos swaps cambiais tradicionais, equivalentes à venda futura de dólares. Nesta quarta-feira, o dólar está sendo negociado ao redor do patamar de R$ 3,40.

? A venda de reservas seria mal recebida pelo mercado. Não faz sentido enfraquecer essa posição no momento em que as coisas estão complicadas ? afirma o ex-diretor do BC e chefe do Centro de Estudos Monetários do Ibre/FGV, José Julio Senna.

CRISE DE 2008

A última vez que o BC utilizou as reservas internacionais foi na crise internacional de 2008, quando houve forte retração da liquidez global devido à crise financeira nos Estados Unidos e as linhas de crédito praticamente secaram. Entre outubro daquele ano e fevereiro de 2009, o BC se desfez de US$ 14,5 bilhões, segundo a assessoria de imprensa da autoridade.

A diferença daquele momento para o atual, com volume muito maior de reservas, é que a economia brasileira é muito mais frágil agora. O país não tem mais grau de investimento (selo de bom pagador concedido por agências de classificação de risco) e está com as contas públicas fragilizadas, com sucessivos rombos primários.

? As reservas no Brasil, apesar de serem expressivas para a história brasileira… são importantes como um colchão. Além do Trump, há incerteza com o Brexit ? diz o ex-presidente do BC e diretor do Centro de Economia Mundial da FGV, Carlos Langoni, referindo-se à recente decisão do Reino Unidos de deixar a União Europeia.

O BC tem deixado claro que está atento ao andamento do mercado e que dispõe de vários instrumentos para conter a volatilidade cambial. Questionado sobre a venda de parte das reservas, o presidente do BC, Ilan Goldfajn, já afirmou que elas são importantes e que funcionam como uma espécie de seguro e ajudam na redução do risco país.

Para o economista do banco Santander Luciano Sobral, a discussão parece prematura para o momento.

? Com a vitória do Trump, o real andou como se esperava dado o nosso histórico recente.

MAIS RISCO

A utilização de reservas também poderia trazer risco adicional para o BC, na avaliação dos analistas. Se a venda de dólares não alcançar o resultado esperado, poderia haver desconfiança em relação à autoridade monetária e sua capacidade de amortecer momentos turbulentos.

? Se o BC intervém com reservas e não se chega ao resultado esperado, vira um problema ? afirma o economista da FGV e presidente da Associação Keynesiana Brasileira, Nelson Marconi. ? O que ele devia fazer é voltar com a tributação no mercado futuro para operações sem lastro em exportações.

Na avaliação dos analistas, a discussão sobre o tamanho das reservas cambiais e se o BC deve ou não se desfazer de parte dela só terá maior espaço na economia quando a questão fiscal for equacionada.

? Dado o quadro de fragilidade do setor público, é importante manter uma reserva e ter uma posição credora em dólares ? diz José Luis Oreiro, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. ? Não é um problema para se resolver agora. Depois da questão fiscal equacionada, aí sim pode-se pensar nessa discussão.