Cotidiano

Apesar da alta adesão, 'corporativês' deve ser usado com cautela

61715146_BC - 21-09-2016 - nuvem de palavras de jargão corporativo.jpg RIO – Em vez de começar, ?startar?. No lugar de retorno,
feedback. O chefe virou líder e o empregado, colaborador. Entre
estrangeirismos e um português adaptado, uma conversa entre dois executivos pode
soar como um dialeto a ouvidos não brifados para isso. Escapar do
?corporativês?, entretanto, tornou-se algo praticamente impossível no mundo do
trabalho contemporâneo.

Corporativês

Segundo o especialista em carreiras e professor da Fundação Getulio Vargas,
Marco Tulio Zanini, esses termos tendem a ser cunhados a partir da necessidade
de nomear práticas e relações novas. E isso ocorre a todo momento num mercado
cada vez mais dinâmico.

? Talento, por exemplo, passou a ser usado para se referir àquela pessoa que
tem o perfil e os dons desejados pela organização na busca por seus objetivos.
Empregado ou funcionário não traduziria esse espírito ? defende ele.

O fator praticidade também entra nessa conta, de acordo com Zanini. E isso
explica parte dos termos em inglês que fazem sucesso neste meio e até acabam
aportuguesados. É o caso de ?brifar?, que vem de biefing.

? Quando digo que vou ?brifar? uma pessoa antes de uma
reunião, já entende-se que vou colocá-la a par dos pontos mais relevantes para
aquele encontro. Não há uma palavra em português que traduza isso de maneira
imediata ? justifica ele.

PALAVRAS VÊM, PALAVRAS VÃO

Mas assim como uma pochete jogada no fundo do
guarda-roupa, alguns termos também caem no limbo do ?fora de moda?. Doutora em
Comunicação e Cultura pela UFRJ, a professora de Comportamento
Organizacional da ESPM-Rio Joyce Ajuz diverte-se ao refletir
sobre algumas delas.

? Otimização e sinergia estiveram muito em alta no início
da década de 2000, mas agora ninguém aguenta mais ouvir. O mesmo aconteceu com
know-how e a expressão ?pensar fora da caixa? ? ilustra Joyce. ? Já
design thinking, que se refere a um tipo de pensamento mais estratégico
adotado no mundo corporativo, está muito em alta.

As engrenagens por trás de todo esse movimento, na
opinião da professora, estão no valor de distinção que boa parte desses jargões
representa para seus adeptos.

? Muitos desses termos fazem tanto sucesso que começam a
ser utilizados de maneira inadequada ou descontextualizada por pessoas que
desejam se igualar àquelas que verdadeiramente entendem do assunto. E quando as
palavras são banalizadas dessa maneira, aqueles que são tidos como referência
param de usá-las ? reflete ela.

A LÍNGUA ESTÁ VIVA

O professor de língua portuguesa do Instituto de Letras da UERJ e autor de
livros como ?Fundamentos de gramática do português?, José Carlos de Azeredo,
lembra que a linguagem é reveladora do contexto sociocultural em que vivemos.
Por isso, a profusão de termos estrangeiros não deve ser vista simplesmente como
uma forma de exagero, mas como um sintoma.

? A finalidade prática mais óbvia de uma língua é servir de meio de
comunicação eficiente entre as pessoas que a falam e eventualmente também a
escrevem. Mas é preciso lembrar que ser capaz de se comunicar por meio da
palavra é mais do que dominar uma língua particular como coisa pronta e acabada,
tal como nos faz crer a existência de livros conhecidos como dicionário e
gramática ? afirma Azeredo. ? No caso de palavras e siglas que integram o
?corporativês?, trata-se de uma comodidade que melhor atende às necessidades e
urgências da dinâmica empresarial e comercial do mundo atual.

Para Azeredo, a adoção destes termos não se trata de
simples esnobismo ou falta de apreço pela língua nacional. Ele considera inútil
combater ou substituir certas palavras, quando já se firmaram no uso como a
solução mais eficiente.

? Somente seus usuários podem avaliar essa relação
?custo/benefício?, uma lei de ouro no sucesso de qualquer empreendimento. Atos
normativos ou condutas policialescas geralmente fracassam ou têm efeitos
irrelevantes ou pífios ? conclui ele.

“ZOEIRA” NA INTERNET

Com tantas peculiaridades, o corporativês não poderia ficar livre da ?zoeira? na internet. O autor do Tumblr ?Português para executivos?, Rafael Hessel, tira onda com termos como performance e kick-off na página, mostrando suas traduções e aplicações. A ideia surgiu em 2014, a partir de uma brincadeira despretensiosa durante uma reunião na empresa.

? Resolvi anotar tudo que foi dito em outra língua e só isso já rendeu cerca de 80 palavras diferentes ? conta ele. ? Se existiam similares em português, porque diabos precisaríamos daquelas em inglês?

A página já chegou a ter mais de 200 mil visitantes num único dia e tem no post relacionado à palavra ?feedback? um dos maiores sucessos. No tópico, Hessel explica que o termo significa retorno e compara as duas aplicações: ?vou dar um feedback para vocês? e ?vou dar um retorno para vocês?.

? Embora tenha criado um Tumblr pra brincar com tudo isso, reconheço que o ?corporativês? já faz parte da nossa rotina. É óbvio que prefiro que usem o português. Mas, tirando algumas pessoas que querem aparecer, vejo que a maior parte das que usam estes termos só está acostumada a eles ? reflete Hessel. ? Os termos que mais me irritam são aqueles que não têm a menor necessidade de existir, como deliverables. Fala logo entregas, cara!

61693224_BC - O professor Leonardo Nobre coordenador do CST em Recursos Humanos da Anhaguera de.jpg

Para o professor do curso de Tecnologia em Gestão de Recursos Humanos da Anhanguera de Niterói, Leonardo Nobre, tais expressões devem ser utilizadas quando são imprescindíveis na tradução de ideias técnicas. Na opinião dele, o uso em excesso pode distanciar pessoas e até diminuir o calor humano tão necessário para a motivação nos ambientes organizacionais.

? Muitos acreditam que essa linguagem impressiona. Mas tais expressões também são capazes de criar barreiras na comunicação e problemas de imagem. Falar difícil pode impedir uma boa conversa e diminuir a capacidade de persuasão ? afirma ele.

USE COM MODERAÇÃO

A professora do curso de Formação em Recursos Humanos da Escola de Negócios da PUC-Rio e consultora de RH Andréa Lèbre concorda com Nobre. Para ela, quando o profissional está imerso em um ambiente onde todos utilizam naturalmente essas expressões, é uma boa ideia incorporá-las ao vocabulário para demostrar empatia. Mas isso deve ser acompanhado por uma boa reflexão.

? Se você está usando esse artifício para impressionar, reveja sua estratégia. O impacto é muito mais negativo do que positivo ? garante ela. ? Isso desperta julgamentos, o que faz com que o interlocutor não consiga escutar você de peito aberto, sem preconceitos. Já a utilização parcimoniosa, respeitando a cultura onde você está inserido, só aproxima.