Cotidiano

Aos 70 anos, Alceu Valença volta à década de 70

63162338_GG Segundo Caderno Rio de Janeiro 03-06-2015 .agência Globo Pré - estréia do filme Rom.jpgRIO – Em julho, Alceu Valença completou 70 anos. Alguns dias atrás, quando conversou com ? ou melhor, discursou animadamente para ? O GLOBO, ele relatava ter acordado às sete da manhã e andado ?sete mil e tantos passos?, contados num aplicativo de celular (?Ando dez mil passos por dia!?). O segredo da vitalidade, prosseguiu Alceu, é comer pouco e evitar o glúten. Só assim mesmo para manter a energia (e os tons originais) necessários para a empreitada que se avizinha: o show de lançamento, no dia 15, do CD e DVD ?Vivo! Revivo!? (Deck), em que ele canta o repertório dos quatro álbuns solo que lançou ao longo dos anos 1970 ? discos que, por sinal, estão voltando ao mercado em uma caixa de LPs, ?70? (Polysom).

? O tempo, pra mim, vai e volta ? filosofa o compositor, embevecido com as reedições em vinil que acabara de receber, embora sem planos de tirá-las das capas para ouvir. ? Eu não tenho radiola em casa, e escuto muito pouca música.

Pernambucano de São Bento do Una, Alceu Valença estreou em LP em 1972, num disco dividido com o conterrâneo Geraldo Azevedo. Aos poucos, ele foi consolidando um estilo próprio, em que a música tradicional do Nordeste se reinventava na pulsação amplificada do rock?n?roll. Uma música que, ele se recorda, certa vez Luiz Gonzaga definiu como ?uma banda de pifes elétrica?. Um rock que não é rock.

? Minha música não tinha nada a ver com o tropicalismo nem com a música brasileira da época, que é ótima ? explica o cantor que, em 1975, com ?Vou danado pra Catende?, levou um ?prêmio de pesquisa? no Festival Abertura, da TV Globo. ? Só que a pesquisa eu não tinha feito, ela estava na minha cabeça desde menino. Eu canto novenas e emboladas com timbragem rock. Alceu Valença – Papagaio do Futuro (Ao Vivo)

?Molhado de suor? (de 1974), seu primeiro álbum solo, foi uma espécie de cartão de visitas do artista para o grande mercado ? embora, como a totalidade de seus discos dos anos 1970, não tenha vendido lá muito. No recém-lançado livro ?Lindo Sonho Delirante: 100 discos psicodélicos do Brasil?, do jornalista Bento Araujo, o LP ganha reverência. ??Molhado de suor? apresentou, em menos de meia hora, o trovador psicodélico do Nordeste ao grande público?, escreve Araujo.

? ?Molhado de suor? tem arranjos menos pesados que os dos outros discos ? compara Alceu, que contou no disco com os préstimos do maestro Waltel Branco, autor das luxuosas partes de cordas e metais. ? A música ?Mensageira dos anjos? é pura psicodelia romântica.

Reviravolta na rua

O seguinte, ?Vivo!? (1976), foi gravado na temporada do show ?Vou danado pra catende? no Teatro Tereza Rachel, em Copacabana. Seria um dos primeiros sustos na carreira de Alceu: a estreia teve pouco público, que foi minguando ao longo dos dias. Com o espetáculo cancelado, e ele perigando ter que voltar derrotado ao Recife, a solução foi pegar um megafone de papelão, vestir as roupas do show (as mesma que ostenta hoje em ?Vivo! Revivo!?) e ir para a rua.

Na esquina da Siqueira Campos com a Nossa Senhora de Copacabana, Alceu ficava gritando para o povo e tocando suas canções com os músicos do espetáculo (entre eles, um futuro astro, o paraibano Zé Ramalho). Convencido pelo carisma (ou a maluquice) do cantor, o teatro lotou nas apresentações seguintes. São memórias que, ironicamente, vêm à tona quatro meses depois de o cantor ter experimentado um sucesso viral com um vídeo registrando o momento em que, de surpresa, juntou-se a músicos de rua, no Leblon, para cantar a sua ?Anunciação?.

? Foram 32 milhões de acessos só no Facebook! ? gaba-se o cantor.

O terceiro álbum solo de Alceu Valença, ?Espelho cristalino? (1977), teve problemas: chegou às lojas com atraso de alguns meses.

? A Som Livre dependia muito da RCA para prensar os discos. Fiz o primeiro show, e o LP não saiu. Fiz o segundo, e nada. No terceiro, foi o show que deu errado ? diz ele, que, por causa disso, pediu rescisão da gravadora e aceitou um convite do então produtor fonográfico (e futuro escritor de sucesso) Paulo Coelho para conversar sobre uma contratação na PolyGram. ? O Paulo chegou à gravadora, apertamos as mãos, e eu disse que tinha conseguido a rescisão. Ele pediu um momentinho para ir ao banheiro e até hoje não voltou. Deve ter saído diretamente no Caminho de Santiago. Daí virei maldito, passaram a dizer que nenhuma gravadora queria Alceu Valença.

Arretado com aquilo tudo e com a ditadura militar que perseguia seus amigos, Alceu se mandou então para Paris, em 1979. Mas, antes, fez sua despedida com um show no Parque Lage chamado ?Alceu Valença em noite de au revoir?. Na França, em seu ?exílio cultural?, ele teve boa acolhida da imprensa, apresentou-se antes de Joan Baez em um festival de música folk em Lyon, mas também chegou a ser preso ao distribuir panfletos de um show seu no metrô.

Gravações pouco conhecidas

E lá ele gravou o disco ?Saudade de Pernambuco?, lançado só em 1998, como brinde do encarte ?Sertanejo & forró?, uma série de CDs do ?Jornal da Tarde? pernambucano. A nova edição do disco (que sai em CD e, na caixa, em LP) vem com uma capa diferente da original, com uma foto que só recentemente Alceu reencontrou, por intermédio da filha de um amigo:

? Na época, o disco ficou uma semana só nas bancas. Depois, fiquei sem saber o que fazer com ele até que essa foto apareceu, junto com outras.

Em 1980, a saudade trouxe Alceu de volta ao Brasil, onde ele disputou um festival com ?Coração bobo? e chamou a atenção do produtor Marco Mazzola, que o convidou para uma nova gravadora, a Ariola… E o resto é uma história de grandes sucessos, entre eles ?Morena Tropicana? e ?Como dois animais?. Que ele festeja no réveillon da Praia de Copacabana, em show do Grande Encontro com Elba Ramalho e Geraldo Azevedo.

? Tem uma queda hoje aí no mercado, mas quem tem público e tem sucesso vai em frente ? encerra o sempre otimista Alceu Valença.

?Vivo! Revivo!?

Onde: Circo Voador ? Rua dos Arcos, s/n°, Lapa (2533-0354).

Quando: No dia 15, às 23h.

Quanto: De R$ 60 a R$ 120.

Classificação: 18 anos.