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Aos 22 anos, baiano estreou em Olimpíadas com medalha inédita para a canoagem

Sem abandonar a juventude, ele cresceu o suficiente para, em sua primeira Olimpíada, duelar de igual para igual com o ?monstro? Brendel, definição dada pelo canoísta brasileiro

Da posição onde se encontrava no pódio, Isaquias Queiroz não viu ninguém à frente após dar um giro de 90° para ver a bandeira do Brasil ser erguida na cerimônia de medalhas, cena inédita para a canoagem brasileira em Jogos Olímpicos. O pavilhão da Alemanha estava alguns centímetros acima, graças a Sebastian Brendel, agora bicampeão olímpico na categoria C1 1000m. Por alguns instantes, tratou-se de um detalhe quase insignificante para Isaquias, o medalhista de prata mais feliz que a Lagoa Rodrigo de Freitas testemunhou nesta Olimpíada.

Isaquias subiu ao pódio ovacionado pela torcida. Minutos atrás, terminara da mesma forma o percurso quilométrico, atrás de Brendel por dois míseros segundos. É costume dizer que, para os brasileiros, o vice-campeão é apenas o primeiro derrotado. Se o autor anônimo desta frase estivesse no Estádio da Lagoa na manhã de ontem, provavelmente seguiria anônimo, embaraçado pelo olhar radiante do baiano de 22 anos, natural de Ubaitaba, que sorria no segundo degrau do pódio — o mais próximo das bandeiras hasteadas —, fazia corações com as mãos e até tirava selfies com os adversários. Sem abandonar a juventude, ele cresceu o suficiente para, em sua primeira Olimpíada, duelar de igual para igual com o “monstro” Brendel, definição dada pelo canoísta brasileiro.

— Estou muito feliz por ter ficado atrás só desse monstro que é o Brendel. Tenho muita admiração por ele — declarou um humilde Isaquias, direcionando o holofote para o medalhista de ouro e lenda da canoagem que, em entrevista coletiva de 20 minutos, só receberia uma pergunta; todas as outras foram para o baiano.

A CHEGADA DO TÉCNICO jESUS MORLÁN

Monstruoso, de fato, foi o amadurecimento relâmpago de Isaquias. O baiano confessaria após a final de ontem que, mesmo depois de ser campeão mundial júnior de canoagem, em 2011, não tinha esperanças de evoluir o suficiente para disputar a Olimpíada do Rio, quanto mais disputar (e ganhar) uma medalha.

O divisor de águas, segundo ele, foi a chegada do treinador espanhol Jesus Morlán, em 2013. Morlán, por sua vez, elogiou a maturidade exibida pelo jovem canoísta em sua primeira grande competição com torcida amplamente a favor. Na avaliação do treinador, Isaquias fez uma corrida estratégica: percebeu o vento contrário e dosou a força para manter-se na briga pelo ouro sem exaurir as forças — afinal, ele ainda disputa duas categorias na Olimpíada, uma delas a C1 200m, cujas baterias começam hoje, às 9h. Se o crescimento tático do menino prodígio de Ubaitaba ficou visível agora, o talento natural já chama atenção há tempos:

— Assumi a seleção brasileira em abril de 2013. Em agosto, Isaquias foi campeão mundial adulto na C1 500m. Isso não teve nada a ver comigo, e sim com o talento que esse menino tem. Por melhor técnico que você seja, ninguém forma um campeão mundial em três meses — declarou Morlán, dias antes da Olimpíada começar.

A mãe de Isaquias, dona Dilma Queiroz, de 53 anos, ouvia os elogios ao talento do filho, ontem, no Estádio da Lagoa, com o olhar assertivo de quem já conhecia há tempos uma fonte inesgotável de energia no canoísta. Energia esta que deu trabalho na infância agitada: Isaquias, órfão de pai desde os cinco anos, teve metade do corpo queimado por água fervendo em um acidente doméstico e, anos depois, perdeu um rim após cair de uma árvore. Nas duas ocasiões, médicos chegaram a desenganar a mãe do menino.

A AJUDA DA FÉ E DE DEUS

Isaquias fala de ambas as passagens como coisas “normais”, que jamais o fizeram sentir-se em desvantagem contra os adversários. Dona Dilma, que viajou pela primeira vez de avião para ver a primeira medalha olímpica do filho, avalia o sucesso pelo prisma da fé:

— Deus é bom e vai trazer mais duas medalhas para Isaquias. Acredito demais nisso.

Na narrativa bíblica, Isaque é o filho que seria sacrificado por Abraão e foi salvo por um anjo. Etimologicamente, o nome vem do hebraico e significa “filho da alegria”. Isaquias, à sua maneira, leva um pouco de ambos os sentidos.

— Vim para fazer história e conquistar três medalhas — afirmou o canoísta. — A primeira já foi. E a história vai continuar sendo escrita.

Erro zero é a medida certa pelo segundo pódio

A medalha de prata no peito não parece ter diminuído o apetite do baiano Isaquias Queiroz. Após levar a canoagem brasileira pela primeira vez a um pódio olímpico, ele já começou a planejar sua participação em outra prova individual, mais curta: a C1 200m, cujas eliminatórias acontecem hoje, com finais amanhã.

— Treinei muito para a C1 200m. É uma prova em que não posso errar. E acho que posso ganhar no C2 1000m com o Erlon (Souza) também — completou o brasileiro, referindo-se à terceira e última prova que disputará no Rio, esta somente a partir de sexta-feira.

Na C1 200m, Isaquias não enfrentará o adversário que lhe tirou o ouro nesta terça-feira: o alemão Sebastian Brendel, agora bicampeão olímpico na C1 1000m. Desde que levou o ouro em Londres-2012, Brendel disputou 20 provas internacionais de C1 1000m e saiu vitorioso em 18, incluindo a final de ontem na Lagoa Rodrigo de Freitas. Ele e Isaquias se enfrentaram sete vezes em finais, sempre com vitórias do alemão.

Na decisão de ontem, Isaquias largou com intensidade: chegou a imprimir um ritmo de 72 remadas por minuto, mais de um movimento completo por segundo, nos primeiros 200 metros. Brendel, porém, assumiu a liderança na metade da prova, brigando lado a lado com Isaquias. O alemão mostrou vitalidade para arrancar no fim — foi o único a fazer o último trecho de 250 metros abaixo de um minuto — e cruzou a chegada com relativa tranquilidade, algo que não tivera ao longo de toda a prova:

— Em alguns momentos você pensa que pode perder, mas eu estava muito preparado. Acho que lido bem com a pressão. Meu colega que levou a prata (Isaquias) teve uma tática especial, mas não sei se ele foi muito bem-sucedido. Consegui manter contato durante toda a prova e acho que essa foi a chave — avaliou Brendel.

Isaquias disputará a segunda bateria da C1 200m, marcada para 9h23m. Os cinco melhores avançam para as semifinais, disputadas a partir de10h40m. O baiano foi bronze na C1 200m no último Mundial de canoagem, em 2015.