Cotidiano

Anri Sala propõe percurso visual e sonoro no IMS

RIO – Os visitantes habituais do Instituto Moreira Salles perceberão a pequena caixinha de música
acoplada a um dos painéis de vidro que dão para o pátio interno da casa. A seu
lado, uma concavidade que não existia antes cria o espaço necessário para que a
manivela seja rodada, fazendo soar a canção ?Should I stay or should I
go?, da banda inglesa The Clash. É assim a mostra ?Anri Sala: o momento presente?, que será
inaugurada hoje, às 17h, com uma conversa aberta ao público entre o artista
albanês e a curadora Heloisa
Espada: cheia de delicadezas que revelam uma elaboração sofisticada.

É o caso também de ?Title suspended (sky blue)?, de 2008, inspirada na icônica imagem de
Michelangelo na Capela Sistina. Aqui, as mãos envoltas em luvas fazem uma
rotação completa em dois minutos. Onde não há suporte dentro, os dedos, com a
ação da gravidade, ?despencam?.

Sala esteve no Rio em 2015 para
conhecer o IMS ? suas obras costumam dialogar com a arquitetura do local onde
são expostas. A obra da caixinha, por exemplo, demandou a troca de um elemento
da construção do imóvel. Seu nome, ?No window no cry (Olavo
Redig Campos)?, de 2016, alude ao arquiteto que
assina o projeto modernista de 1951.

? Parti de duas premissas ? disse
ele na quarta-feira, enquanto montava a mostra. ? Para mim era importante fazer
uma exposição que levasse em conta a escala da casa. E considerei ainda o fato
de que era uma casa doméstica, hoje transformada em instituição. Normalmente,
numa instituição, existe um trajeto determinado, te dizem para onde ir. Minha
ideia foi produzir uma trajetória aberta, sugerir novas possibilidades.

A exploração do espaço, uma das marcas de Sala, pode ser conferida, por
exemplo, na engenhosa instalação sonora ?Bridges in the doldrums? (2016), dividida em dois ambientes. Para
ser ouvido na totalidade, é necessário sair da sala de azulejos da casa e
circundar o painel de cobogós da varanda, um percurso pouco usual do local.

‘HÁ MUITOS ECOS NESSA MOSTRA’

Música e som são recorrentes no trabalho do artista, que representou a França
na 55ª Bienal de Veneza, em 2013, com a instalação sonora ?Ravel Ravel unravel? (ele morava então em Paris; hoje está
radicado em Berlim). Eles estão presentes nos vídeos, que constituem grande
parte das obras na exposição. Em ?1.395 days without red?, ele
conta o cerco a Sarajevo através de do deslocamento de uma instrumentista
obrigada a atravessar a cidade para um ensaio da ?Patética? de Tchaikovsky. Em ?Long sorrow?
(2005), um saxofonista toca suspenso do lado de fora do 18º andar de um edifício
em Berlim. No IMS, esta obra se estende pelos jardins, onde se ouve a gravação
do músico quando improvisava com ele próprio no filme.

? Há muitos ecos nessa mostra ?
diz Sala. ? ?No window no
cry? se relaciona com outros dois vídeos onde a
música do Clash também
é tocada (?Le Clash?, filmada em Bordeaux em 2010, e ?Tlatelolco Clash?, na Cidade do México, em 2011).

Anri Sala
começou a estudar arte em Tirana, ainda sob o regime comunista. No início
dedicava-se a afrescos, mas a convulsão política do país lhe despertou um
sentido de urgência. Decidiu-se pelo vídeo, numa época (meados dos anos 1990) em
que a tecnologia, no país, era embrionária. Foi um vídeo, o premiado
?Intervista? (1998), que lançou seu nome no mundo da arte. O filme relaciona
linguagem e história a partir de imagens (sem som) que ele encontrou da mãe
sendo entrevistada num encontro da juventude comnunista, 20 anos antes. A obra também está
sendo exibida no IMS.

? A passagem do tempo é um dos temas principais do meu trabalho. Nas primeira
obras era estruturada de forma mais extensa, tinha a ideia de passado, presente
e futuro, como uma percepção do tempo, mas também de um momento político. Nos
trabalhos recentes, fiquei mais interessado no tempo presente, nessa negociação
contínua com o que está acontecendo agora ? diz o artista.

Ainda como parte da mostra,
amanhã, o cinema do IMS exibirá, em 35 mm, os filmes ?Nanook, o esquimó? (1922), de Robert Flaherty, ?Ninotchka? (1939), de Ernst Lubitsch, e
?Iracema, uma transa amazônica? (1974), de Jorge Bodanzky e Orlando Senna. Os três fazem parte da obra ?Why the lion roars?, de
Anri Sala, montada em Paris em 2008, no espaço Centquatre. Tratava-se de uma obra com uma projeção audiovisual contínua, composta por uma seleção de 57 filmes, para os quais o artista atribuiu uma temperatura em graus Celsius, entre -11 e 45 para cada. Um termômetro instalado do lado de fora do espaço expositivo monitorava a temperatura local e, a cada mudança registrada, um mecanismo de edição simultânea interrompia o filme que estava sendo exibido. Ele era substituído pelo correspondente à nova temperatura marcada, que, por sua vez, começava do ponto em que havia parado pela última vez.

Em 2017, uma segunda parte da mostra será exibida no Instituto Moreira Salles, em São Paulo.

?Anri Sala: o momento presente?

Onde: Instituto Moreira Salles ? Rua Marquês de São Vicente 476, Gávea (3284-7400).

Quando: Abertura neste sábado, às 17h, com uma conversa com o artista e a curadora (senhas distribuídas 30 minutos antes). Ter. a dom., das 11h às 20h. Até 20/11.

Quanto: Grátis.

Classificação: Livre.