Cotidiano

Análise: Segue a 'sangria' após o recuo de Jucá

RIO – Líder do governo no Congresso, o senador Romero Jucá voltou ao trabalho esta semana determinado a dar novos passos para “estancar a sangria”, como bem definiu em seu célebre diálogo com o delator Sérgio Machado. Enquanto o debate terreno gira em torno da necessidade ou não de se manter a regra do foro privilegiado, Jucá decidiu encurtar o caminho rumo à impunidade: em uma movimentação pra lá de ousada, apresentou uma proposta de emenda constitucional (PEC) para que os presidentes da Câmara e do Senado não pudessem sequer ser investigados enquanto estiverem em seus cargos. A regra hoje vale apenas para a presidência da República.

Em 13 dos últimos 15 anos, José Sarney e Renan Calheiros alternaram-se na presidência do Senado. Ambos têm Jucá como um dos mais íntimos aliados desde que este chegou à Casa, ainda na década de 1990. Ironicamente, juntos os três tornaram-se semana passada alvos do primeiro inquérito aberto pelo novo relator da Operação Lava-jato, ministro Edson Fachin.

Nesta quarta-feira, após O GLOBO revelar a existência de sua PEC, Jucá decidiu partir para o tudo ou nada. Contando já com apoio de 29 senadores, dois a mais que os 27 necessários para colocar a matéria em tramitação, provocou:

– Nós não estamos querendo parar a Lava-jato, qualquer insinuação nesse sentido é um absurdo. Agora, vamos ao debate, aqueles que quiserem votar, votarão. Os que não quiserem votar se agacharão e tirarão a responsabilidade e a representatividade do Senado e da Câmara Federal. Se depender de mim, isso não acontecerá.

O primeiro a se agachar foi o senador Otto Alencar (PSD-BA), que pediu a retirada de sua assinatura. Em seguida, foi a vez de a bancada do PSDB se agachar coletivamente, soltando uma constrangida nota dizendo que os senadores tucanos que haviam subscrito a proposta – Aécio Neves, Aloysio Nunes Ferreira, Cássio Cunha Lima, Eduardo Amorim, Flexa Ribeiro e José Aníbal – estavam patrocinando seu debate, mas não necessariamente votariam de forma favorável. Pouco depois, Aníbal repetiu o gesto expresso de Otto Alencar e retirou formalmente o apoio à proposta.

Foi então que os beneficiários diretos da ideia entraram em campo – e jogando contra Jucá. Declarando-se pego de surpresa, Rodrigo Maia avisou da Câmara que não colocaria a matéria em votação enquanto fosse presidente. E Eunício Oliveira jogou a pá de cal, pedindo que Jucá recuasse.

À medida que a divulgação da delação da Odebrecht se aproxima, os políticos envolvidos vêm se mostrando cada vez mais preocupados em criar barreiras de proteção. Nos últimos meses, diante dos avanços nas investigações, tentaram em seus momentos mais ousados passar uma anistia ao caixa dois e uma lei de abuso de autoridade para atacar procuradores e juízes. Nada vingou. Ontem, após nova tentativa, Jucá agachou e pediu para retirar a proposta protocolada horas antes. Mas é certo que logo tentará se levantar.