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Análise: Lady Gaga domina o palco com 'protesto sutil' no Super Bowl

Lady Gaga entrou no palco do NRG Stadium, no intervalo da final do Super Bowl, declamou o juramento à bandeira dos Estados Unidos da América ? uma nação, indivisível, com liberdade e justiça para todos ? e a partir daí todos os olhos se voltaram para a vingadora mascarada do pop, sua roupa metalizada e a esperança de que ela cumprisse o seu papel: o de dar uma lacrada em Donald Trump.

Super Bowl – 05.02

No campo texano, Gaga correu mais jardas que Julio Jones, voou mais que os arremessos de Matt Ryan (ambos do Atlanta Falcons), cantou hits como ?Poker face? e ?Born this way” e tudo parecia conforme o figurino da mais estranha diva do pop: dançarinos andróginos, algo mezzo glam, mezzo assustador, a tradicional militância LGBT que se associa a Gaga. Mas não é chocante. Uma estranha normalidade no ar faz indagar: não vai haver protesto? Não haver parceria com Beyoncé para gritar liberdade, à maneira democrata, como fez Meryl Streep no Globo de Ouro?

Havia espaço no entanto para reinterpretações de canções: quando Gaga se senta ao piano e canta a balada ?Million reasons?, uma canção derramada, em que a letra fala de um tremendo mal-estar de fim de relacionamento. Mas, pensando bem, parece vestir como uma luva os punhos daqueles que não acreditam que o bilionário laranja está sentado na principal cadeira do Ocidente:

?Você está me dando milhões de razões para te abandonar

Você está me dando milhões de razões para desistir do show

Você está me dando milhões de razões

(…) eu me curvo para rezar

tento extrair o melhor do que é horrível?

A letra martela, martela e implora por uma nova leitura. Mas é mais uma capacidade de quem escuta as palavras do que propriamente a intenção gritante que esperávamos da artista americana.

Segue-se ?Bad romance?, outro triunfo de Gaga. O estádio texano sacode, fãs surtam, tudo muito pop. Mas nada de Beyoncé, nada de protesto, nada de palavrões em rede nacional, nada do be-a-bá da manifestação política. Gaga se domesticou, ou fomos nós que nos acostumamos a um tipo de artista hiperdidático, quase pedagógico em sua maneira de expressar seu desconforto com o momento?

Fim de show: a cantora arremessa o microfone ao chão, de um jeito que, para alguns nas redes sociais, remete a Barack Obama em seu último jantar com correspondentes internacionais ? gesto esse já emprestado da cena rap.

Será? Não, pensando bem, ela arremessou mais forte, enquanto Obama só deixou cair. Tudo muito sutil, assim como o juramento à bandeira, assim como “Million reasons”. Nascida do seu jeito, artista do seu jeito, Gaga sempre foi um protesto ambulante, contra as babaquices de sempre, contra as pré-definições do que é certo e o que é errado no que é o indivíduo. Se ela precisasse se amparar num ?fuck you” altissonante para expor suas opiniões, não seria uma contestadora tão interessante.

Em vez de dividir o estádio, mandou uma mensagem para que cada um a compreendesse como pudesse fazê-lo. Não deu uma aula de rebeldia: preferiu ser irônica, sarcástica e deixar em certas brechas para representar aqueles que precisarem de uma voz. A dele está lá, usando códigos sofisticadamente claros.

Triste do povo que precisa sempre do óbvio.