Cotidiano

Anac: para especialistas em direito do consumidor, mudanças não garantem redução de preços

201607190719495283 (1).jpgRIO ? As propostas de mudanças nas condições de transporte aéreo, anunciadas nesta terça-feira pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), dividiram a opinião dos especialistas em direito do consumidor. Para alguns, as novas medidas são vistas como um retrocesso, em especial a que muda para 24 horas o direito de arrependimento, contrariando o que diz o Código de Defesa do Consumidor. Para outros, alguns pontos podem ser benéficos para o consumidor.

Para Claudia Silvano, dirigente do Procon-PR e presidente da Associação Brasileira de Procons (Proconsbrasil), as novas regras da Anac são um retrocesso inaceitável para o consumidor, ainda mais na atual situação econômica do país. Ela ressalta ainda que não há clareza quanto aos mecanismos que garantam algum tipo de compensação para o consumidor de que o valor das passagens irá diminuir.

? Além disso, em caso de desistência por parte do passageiro, os prazos propostos pela Anac de até 24 horas, com antecedência mínima de sete dias da data do embarque, são menos benéficos do que aquele previsto pelo Código de Defesa do Consumidor, que é de sete dias ? avalia Claudia.

A dirigente informa que ainda não sabe qual medida os Procons irão tomar com relação às novas regras, e que uma das possibilidades é ir à Justiça:

? O brasileiro não está preparado para este tipo de mudança, ainda mais no momento em que vivemos no país.

Advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Claudia Almeida apontou como positivo o fato de as empresas continuarem obrigadas a dar assistência em casos de atraso e cancelamento de voo, ao contrário do que pretendiam as companhias. Segundo ela, a manutenção desta obrigação só foi possível depois de a agência reguladora ser pressionada pelos órgãos de defesa do consumidor nos encontros onde foram discutidas as novas regras.

A decisão também é aplaudida por Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Proteste ? Associação de Consumidores, que a vê como um grande avanço, já que o passageiro que tiver problemas de atraso ou cancelamento de seu voo não vai ficar à deriva, mas sim sob a responsabilidade da companhia aérea.

? Em nenhum país, há este tipo de assistência. Foi um grande avanço e uma conquista dos órgãos de defesa do consumidor, que lutaram por sua manutenção.

Cobrança pelo transporte de bagagem

Diretor do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon), José Augusto Peres vê com preocupação a liberação de cobrança pelo transporte de bagagem, pois estabelece os a possibilidade de aumentarem casos de abusos de preços as passagens aéreas e serviços a elas associados.

? Esperar que acreditemos em bom senso por parte das empresas é muito. Nossas companhias aéreas não são conhecidas por praticarem preços amigáveis para com os consumidores. Pelo contrário. A falta de uma concorrência com companhias aéreas internacionais, fazendo voos internos é de grande auxílio à prática de abusos contra os consumidores e, de modo algum, podemos estar otimistas quanto a uma hipotética baixa de custos.

O diretor do Brasilcom lembra que a Anac justificou a medida alegando que 35% dos passageiros costumam viajar apenas com bagagens de mão

? Em outras palavras, se houver um custo menor das passagens, será para esse contingente de 35%, enquanto que para a maioria dos passageiros (65%) que já voa despachando bagagens, ao que tudo indica, haverá um aumento nos custos do transporte aéreo. Eis a lógica da Anac: beneficiamos 35% e viabilizamos um maior lucro das companhias, vendendo “quilos de bagagens” para 65% dos passageiros? avalia o especialista.

Maria Inês Dolci, por sua vez, afirma que o transporte de bagagem é um serviço com qualquer outro e vai depender da companhia reduzir ou não o volume permitido das bagagens e, também, sua cobrança:

? As empresas podem não cobrar. Vai ser uma questão da companhia entender que faz parte de sua boa política com relação ao usuário, o que ajuda na concorrência. Quanto à diminuiçãodo peso das malas, será uma liberalidade da empresa. Somos um dos poucos países que permite bagagens com 32 quilos. As companhias estão mais atentas a essa questão de redução do peso nos aviões, o que ajuda a reduzir o gasto de combustível e a emissão de gases poluentes, atendendo às recomentações da reunião sobre clima, realizada em Paris.

Quanto ao ponto referente à bagagem de mão, a advogada do Idec lembra que a Anac só fala em volume da bagagem, mas não informa que o tamanho da mala será o mesmo e o espaço destinado às bagagens de mão não aumentou:

? Esta regra não representa nenhuma diferença para o consumidor, pois não poderá carregar a bordo duas malas nem um volume maior. O tamanho da mala será o mesmo, e a única diferença é no peso. Não venho nenhuma vantagem neste ponto.

Ainda sobre a franquia de bagagem, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) entende, no entanto, que não existe garantia sobre a redução do preço da passagem e que não há regulação de como isso seria ofertado ao consumidor, o que poderia confundi-lo na hora da compra.

? Quanto seria cobrado por quilo de bagagem? Na hora de pesquisar o custo de uma passagem aérea, o consumidor teria acesso ao valor do quilo da mala que será despachada? Nenhum desses pontos estava especificado na minuta disponibilizada pela Anac aos órgãos de defesa do consumidor”, diz a advogada do Idec, Claudia Almeida, que também comentou a questão de desistência da compra de passagens sem taxa em até 24 horas.

? O Idec reforça que o direito de arrependimento já está previsto no artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor. Na avaliação do Instituto, as companhias aéreas devem obedecer a lei que diz que o prazo é de sete dias para o cancelamento de compras realizadas fora do estabelecimento comercial (telefone ou internet).

Peres destaca que, nesta questão, o que a Anac fez foi reduzir o prazo de sete dias para um dia o direito de arrependimento do consumidor, e quem ganhou com isso foram as companhias aéreas:

? Apenas para os casos de passagens compradas diretamente nas lojas físicas das companhias aéreas, pode-se falar em algum benefício para o consumidor. Mas hoje em dia o percentual de compras de passagens em lojas físicas é bem menor do que as compras via internet ou mesmo por telefone. Nestes casos, o CDC garante um prazo de arrependimento de sete dias.

Para o deputado Júlio Delgado (PSB-MG), as novas regras anunciadas pela Anac são uma afronta à Lei de Defesa do Consumidor, principalmente o item sobre direito do consumidor se desfazer da compra da passagem,

? A legislação em vigor estabelece que o consumidor tem prazo de até sete dias para desistir a compra ? afirma o parlamentar, que na última quarta-feira protocolou na Mesa da Câmara dos Deputados uma moção de repúdio contra as novas normas do setor aéreo aprovadas pela Anac. ? Não podemos aceitar que a Lei de Defesa do Consumidor, uma conquista dos brasileiros, seja alterada por resolução e sem uma prévia discussão com a sociedade”, disse Júlio, que conseguiu reunir assinaturas para o documento de líderes e vice-líderes de quase todos os 27 partidos representados no Congresso Nacional.

Além do direito de arrependimento, o texto da moção de repúdio apresentada por Delgado critica outros pontos da nova resolução da Anac, tais como a limitação de indenização nos casos de perda ou extravio de bagagem e a eliminação da franquia de bagagem despachada, sem qualquer garantia de redução do preço das passagens.

Para o deputado, a Câmara dos Deputados não pode ser omissa com relação às novas condições do transporte aéreo .

? Não podemos aceitar nenhum tipo de violação aos direitos adquiridos pelos brasileiros com o Código de Defesa do Consumidor ? ressalta o parlamentar.

Extavio de bagagens

Sobre as regras em relação a extravio, o diretor da Brasilcon diz que estamos diante de um completo absurdo e que estas estão em total desacordo com o Código de Defesa do Consumidor. Por isso, afirma, deverãoser alvo de questionamentos no Judiciário:

?Imagine o passageiro chegar em um país estranho, sem falar a língua, e sem as malas. erá que sair do hotel, comprar roupas, calçados e objetos de higiene pessoal, gastando recursos do próprio bolso, sem saber se e quando sua mala chegará. Caso ele tenha se programado para passar, digamos, 15 dias no destino, ou compra roupas na quantidade necessária, ou ainda terá custos com lavanderia. Caso a mala dele ?apareça? após 20 dias do extravio (ele já em casa), a companhia aérea não lhe deverá nada. Nem um pedido de desculpas.