Cotidiano

Ana Maria Luz, ambientalista: 'A coleta seletiva é viável e socialmente justa'

201608312104352458.jpg“Nasci em São Paulo e sempre morei lá. Nunca tinha pensado em trabalhar com meio ambiente. Entrei por concurso na Setesb. Precisava traduzir informações técnicas para pessoas comuns terem atitudes ambientalmente mais corretas. E me apaixonei pelo assunto. Na USP, fiz Comunicações e Artes e mestrado em Ciência Ambiental.”

Conte algo que não sei.

A coleta seletiva tupiniquim é um modelo economicamente viável e socialmente justo. Mesmo que a pessoa não tenha estudado ou tenha alguma deficiência, pode entrar numa cooperativa e desmontar eletrônicos, separar papel. Você consegue incluí-la neste sistema produtivo. Se fosse um país mais desenvolvido, ela não teria chance. Aqui, isso começou de forma torta, porque as pessoas mexiam no lixo. Mas caminhou para o desenvolvimento de conhecimento das cooperativas.

Nesse processo, que lugar ocupa o lixo eletrônico?

Entra nisso como um plus, que pode aumentar a renda. Em geral, são pessoas carentes que têm nas cooperativas chance de trabalhar e ganhar dinheiro. As cooperativas já dispõem de caminhão, galpão, funcionários. Já sabem como funciona esse mercado. E o Brasil, dos emergentes, é o que mais gera resíduos eletrônicos. A tendência não é diminuir. Por que não unir as duas coisas? Capacitar cooperativas que já trabalham com recicláveis para tratar também de eletrônicos e, assim, oferecer à população e às empresas a possibilidade de encaminhar de forma correta esses resíduos.

O que difere o lixo eletrônico dos demais resíduos recicláveis?

Há metais pesados nos componentes. Se aquilo fica jogado, no sol ou na chuva, pode contaminar o ambiente e as pessoas. Por isso, precisa de tratamento mais criterioso. Vimos que as cooperativas sabiam da existência dos resíduos eletrônicos, mas não dos problemas envolvidos. Lidavam de forma errada e ganhavam pouco por desconhecer o valor do material. A USP, com quem temos parceria, já estudava este mercado. Passamos a oferecer um curso sobre como desmontar para as cooperativas, que só podem vender a empresas certificadas. São as que pagam melhor, as que reciclam, as que têm documentação.

O que faz do lixo eletrônico esse material valioso?

Diria que 98% dos eletrônicos são recicláveis: peças de alumínio, de plástico. Mas não há muito o que fazer com um HD antigo, um drive enferrujado, um pente de memória atrasado. A obsolescência desse material é muito rápida. As placas de circuito eletrônico normalmente valem mais. Têm um pouco de ouro, de prata, e são exportadas, porque não há no Brasil ainda uma empresa capaz de extrair.

É um nicho mais voltado às nações desenvolvidas?

É preciso uma quantidade grande para compensar um processo tão caro. Só duas ou três instituições no mundo fazem esse trabalho. O Brasil é um país de 200 milhões de habitantes e enorme extensão territorial. Tudo é mais difícil. Vários países desenvolvidos recolhem o material, não têm o que fazer com ele e o despacham para Indonésia, China, Gana, Índia. E o povo, sem conhecimento, desmonta de forma incorreta, com água embaixo e com sol em cima.

E a relação do público com seu resíduo eletrônico?

Tem que se começar essa discussão, porque, além de tudo, há o complicador de ser contaminante se manuseado de forma errada. Temos que mobilizar as pessoas para, por exemplo, não jogarem de qualquer maneira ou não deixarem em casa um monte de celulares amontados. Pode vazar bateria e intoxicar o que está em volta. As pessoas não querem descartar seu resíduo eletrônico velho, acham que aquilo tem valor. Pagaram tão caro, de fato, e depois não vale nada? É preciso esquecer essa ideia.