Cotidiano

Ameaça de Erdogan e distúrbios em campos de refugiados pressionam UE

BULGARIA-MIGRANTS_-G5930U32U.1.jpgISTAMBUL E BRUXELAS ? A Europa viveu na sexta-feira um dia de preocupações intensas com a questão dos refugiados. Enquanto dois países ? Bulgária e Grécia ? lidavam com conflitos envolvendo imigrantes aguardando visto de permanência no continente, o governo turco endurecia o tom contra a União Europeia (UE), com o presidente Recep Tayyip Erdogan ameaçando o bloco de parar de controlar as fronteiras. A advertência foi uma dura reação à votação do Parlamento Europeu, nesta semana, a favor do congelamento das negociações para a entrada de Ancara, em resposta à violenta repressão à tentativa de golpe de Estado na Turquia em julho. Além de sugerir que imigrantes terão sinal verde para irem à Europa, Erdogan voltou a defender a reinstauração da pena de morte em seu país, num desafio à UE, que bane a pena capital. refugiados

? Ouçam bem. Se vocês seguirem adiante, as fronteiras serão abertas, tenham isto em mente ? disse ele, em Istambul, dirigindo-se aos líderes da UE. ? Nem eu nem meu povo seremos afetados por ameaças vazias. Em 53 anos, a Europa nunca nos abriu as portas. Não esqueçam, é o Ocidente que precisa da Turquia.

A meses das eleições na França e na Alemanha, nas quais a questão migratória terá papel central, a declaração foi preocupante. Em março, a Turquia fez um acordo bilionário com a UE para reter os ilegais e receber os deportados do continente. Ontem, Erdogan acusou a Europa de não cumprir com o financiamento necessário à implementação do pacto, que deu a ele capital político para buscar o ingresso no bloco ? detendo centenas de milhares de pessoas que tentam cruzar o Mar Egeu rumo à Grécia. Em um ano, mais de um milhão de refugiados entraram na Europa, e ainda há outros três milhões em território turco.

? Consideramos o acordo migratório um sucesso comum, e a continuação dele interessa a todos ? reagiu Ulrike Demmer, porta-voz da chanceler federal alemã, Angela Merkel. ? Ameaças de ambos os lados não levam a lugar algum.

TENSÃO CRESCENTE EM BULGÁRIA E GRÉCIA

A frágil relação entre Ancara e Bruxelas piorou com o cenário de instabilidade na Turquia. O bloco, que já se posicionava contra a mudança na lei antiterrorismo turca para a reintrodução da pena de morte, também vem criticando os expurgos realizados por Erdogan após a tentativa de golpe. Neste mês, o presidente ameaçou convocar um referendo sobre a continuidade das negociações de adesão se a questão de liberação de vistos para turcos na UE não avançar até o final do ano.

? Se a Europa é acusada de chantagear a Turquia, os turcos também deveriam ser questionados: ?Isto é uma negociação e as medidas estavam sobre a mesa. Por que não foram cumpridas?? ? questionou Vakur Kaya, diretor do portal turco ?AB Haber?, especializado na UE.

Mas Erdogan foi além: ressaltou que restabelecerá a pena de morte na Turquia se seu Parlamento aprová-la. Em 2004, o então premier liderou a abolição da prática, como parte de seu processo de adesão à UE. Sua reinstauração levaria à suspensão total das negociações, advertiram altos funcionários do bloco.

? Quando vocês pedem a pena de morte, isso parece aborrecer certos senhores ? ironizou ele num comício.

A UE admite a possibilidade de a Turquia abandonar o acordo migratório. Este mês, o ministro da Defesa austríaco, Hans Peter Doskozil, pediu um plano de contingência. O impasse afeta a Bulgária, que construiu uma cerca na fronteira turca e sente os efeitos diretos da crise. Até 17 mil imigrantes foram detidos de janeiro a outubro. Na semana passada, manifestantes nacionalistas fizeram marchas contra os solicitantes de asilo, alegando que estes teriam doenças contagiosas. Nos centros de recepção, a revolta também é grande. Mais de 400 imigrantes foram presos e 49 pessoas ficaram feridas em protestos esta semana contra uma quarentena no campo de refugiados de Harmanli por suposta epidemia de sarna. Na quinta-feira, a polícia disparou balas de borracha contra grupos que se revoltaram, e ontem o governo anunciou que cerca de mil refugiados serão isolados.

? Uma tensão artificial levou aos confrontos, após relatos enganosos de que o centro é um núcleo de infecções ? criticou Petya Parvanova, chefe de Agência de Refugiados da Bulgária.

Mesmo com suas fronteiras fechadas, a Grécia também não consegue adequar os 60 mil refugiados retidos no país. Na ilha de Lesbos, dezenas de imigrantes enfrentaram a polícia após a morte de uma mulher e uma criança pela explosão de um cilindro de gás no campo de Moira. Ontem, dezenas de tendas foram queimadas e um contêiner com medicamentos, roupas e documentos, vandalizado.

? Não somos animais, somos seres humanos. Não vemos nenhuma liberdade nem democracia ? disse um migrante.

O premier Alexis Tsipras se disse chocado com as mortes e pressionou a UE a ajudar o país a lidar com a crise.

? Infelizmente, quando o fluxo (de migrantes) diminuiu, também foi reduzido o foco político no assunto, o que prejudicou a busca por uma solução sustentável na UE ? disse Elizabeth Collett, diretora do Instituto de Política Migratória, em Bruxelas.