Cotidiano

Alexandre Barbalho, professor e pesquisador: 'A cultura é uma área estratégica'

“Nasci em Fortaleza há 47 anos, e dou aula em universidade pública desde os 22. Comecei minha trajetória acadêmica pesquisando sobre contracultura. Ali, descobri o papel do Estado. E ali optei por entender melhor que lugar esse Estado pode ocupar no sentido de fortalecer a cultura do país.”

Conte algo que não sei.

Os agentes culturais conseguiram ocupar um espaço relevante na política pública, em âmbito federal, que nunca ocuparam. Toda essa movimentação, como no Palácio Capanema, espalhou-se pelo Brasil. E esse momento de crise é interessante por revelar como artistas e gestores têm se organizado, como esse campo se tornou bastante complexo nos últimos dez anos. Pessoas que não atuam na área cultural ficaram impressionadas com a capacidade de mobilização durante a tentativa de extinguir o MinC.

Como essas vozes conseguem ser ouvidas hoje? O MinC, afinal, é necessário?

No meu entender, sim. Com o Estado cumprindo o papel relevante de ocupar um espaço que é de interesse público, surge um processo de fortalecimento da democracia cultural. Isso se dá, por exemplo, com a criação do Conselho Nacional de Política Cultural, que reúne tanto governo quanto sociedade civil. Há um processo mais democrático. E há outros exemplos, como as Câmaras Setoriais ou as Conferências Nacionais de Cultura.

Qual o valor das políticas culturais para o desenvolvimento econômico do país?

Entendo a cultura como área estratégica que dá suporte a todas as outras. Grandes instituições de financiamento, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento ou o Banco Mundial, reconhecem que políticas de desenvolvimento têm que levar em conta o local e valores culturais de onde serão implementadas.

As Olimpíadas deixaram algum legado cultural ao Rio?

Não posso negar a importância de um Museu de Arte do Rio de Janeiro. Mas, ao mesmo tempo, você tem equipamentos importantíssimos abandonados, como o Museu de Arte Moderna. Criar um novo museu não deveria significar o abandono dos outros, mas reforçar o conjunto cultural. É sempre a ideia da nova gestão de mostrar o que é seu e não dar visibilidade ao que existia.

Como aproximar a cultura brasileira de seu próprio povo?

É errado pensar que há um abismo entre cultura e povo: a cultura se dá de forma generalizada em toda sociedade. O que há é um fosso entre a dita cultura ?erudita? e uma determinada parcela do povo, pois esse tipo de cultura é produzida por pequenos nichos para pequenos nichos. E quando digo “povo”, não falo das classes populares, porque grande parte das classes média e alta não fruem esse tipo de cultura. Para esse fosso, a melhoria da educação é fundamental. Uma pessoa que nunca teve oportunidade de refletir sobre a música barroca pode ouvir e gostar. Mas se você cresceu entendendo aquela música dentro do contexto de produção europeia, a compreensão será outra.

Isso não seria elitismo?

Acho que você tem que dar o máximo de formação possível. Quando dizem que é legítimo alguém da periferia ouvir só funk, não fazem isso em relação a outras classes sociais, como os moradores da Zona Sul, que podem ouvir bossa nova, jazz, funk ou pop. Elitismo seria dizer que “só é importante tal obra cultural”. Todos devem ter oportunidade de ouvir qualquer música, em vez de só aquilo que a indústria oferece. E o mais perverso é que a classe média, que tem acesso a isso, acaba não levando em conta essas expressões. Em parte, pela falta de educação, mas também pela padronização do gosto. Fala-se de liberalismo, mas o mercado está longe da situação ideal de concorrência. As políticas públicas vêm como contramão a isso.