Cotidiano

Aldir Blanc revela duas canções inéditas

61037466_SC Rio de Janeiro RJ 25-08-2016 - O compositor e escritor Aldir Blanc completa 70 anos..jpg

RIO ? A fila é grande. Músicas que vão do velho parceiro João Bosco até Hamilton de Holanda, Moacyr Luz, Cristovão Bastos, Ruy Quaresma e o compositor português Carlos Paredes. Estão todas à espera de que Aldir Blanc lhes ponha letra, certamente no melhor espírito do carioca que se diz mais boêmio nos versos de canção do que na vida. O importante em tudo isso é que ele chega aos 70 anos com fôlego e humor para cumprir a tarefa. Aldir Blanc

Letras prontas, mesmo, tem apenas duas: uma para Moyseis Marques (?Pretinho básico?) e outra para João Bosco (?Duro na queda?). Em ambas Aldir escreve novos capítulos da tragicomédia da cidade que ele vem contando, pelo menos, desde ?Bala com bala?. Seu estilo é inconfundível. Ri-se de suas histórias, mas sempre há nelas, inserido entre um verso e outro, um quê de perda, de frustração, quando não de tristeza.

Na canção com Moyseis Marques, a morena não se ilude: ?Me faz cafuné, cafunga o meu pé/ Me diz que vai durar para sempre…/ Meu coração ouve a razão: não vai, não!? Na nova parceria com João Bosco, é Janaína quem troca por um bancário o amor do outrora bambambã do pedaço.

? Chegamos a pensar em trocar o nome da personagem. Mas não há como confundir nossa Janaína com a doutora Janaraca ? diz Aldir, referindo-se à advogada Janaína Paschoal, coautora do pedido de impeachment que levou ao afastamento de Dilma Rousseff da presidência.

INSPIRAÇÃO QUANDO MENOS SE ESPERA

Aldir não varia muito seus métodos de produção. Em 70% de sua obra, ele põe letra em música feita antes pelo parceiro. Música e letra suas são poucas. Há casos raros de tudo ser feito junto, música e letra saindo ao mesmo tempo. E, mais raro ainda, é escrever uma letra para ser musicada depois. Ele não esquece de uma delas, ?Altos e baixos?, que ganhou melodia de Sueli Costa.

? Eu estava cheio de vodca quando ouvi um barulhão vindo da rua ? lembra. ? Fui até a janela e vi um carro enfiado num poste, pegando fogo. Disse pra mim mesmo: ?Tenho que parar com esse negócio?. Pouco depois, uma vizinha me chamou para socorrer a filha que passava mal. Fiquei aliviado quando a vizinha disse: ?Vai ver ficou assim ao ver aquele carro pegando fogo…?

Aldir não tem uma disciplina rígida. Ouve a música, ouve de novo, ouve mais uma vez e espera que as coisas aconteçam, o que pode ser num repente. A letra de ?Dois pra lá, dois pra cá?, por exemplo, veio-lhe inteira, numa viagem de táxi. Ele teve de correr atrás de papel e lápis para não esquecê-la.

? Um amigo já me disse que sou um epilético que não dá ataque ? observa, a propósito da inspiração que lhe chega quando menos espera.

CANTORA VÃO DEDICAR NOVOS DISCOS A ELE

A demora para pôr letra em ?Movimento perpétuo? e ?Sede e morte?, de Carlos Paredes (1925-2004), deve-se à espera de autorização da família. As músicas lhe foram entregues pela cantora portuguesa Maria João, que tem entre seus próximos projetos um disco só de letras de Aldir ? as cantoras Dorina e Mariana Baltar também trabalham em discos dedicados ao autor.

? Já ouvi as duas músicas (de Paredes), gostei, são letráveis, mas não corro risco de fazer qualquer coisa sem a autorização dos herdeiros.

É claro que Aldir sabe perfeitamente a diferença entre letra de música e poesia. Seus poemas, porém, estão guardados, ?para que minha família os publique, se quiser, depois que eu me for?. O letrista, hábil na difícil tarefa de fazer com que pontuação e acentuação da letra coincidam com as da música, não tem problema em propôr ao parceiro uma adequação da melodia a um verso cuja qualidade justifica a proposta. A exceção, nesse caso, é Guinga, que não muda uma nota em favor da letra.

? Depois do enterro de minha mãe ele me telefonou dizendo ter feito uma música, ?Choro-Réquiem?, em homenagem a ela ? conta Aldir. ? Fiquei comovido e me ofereci para letrar. A certa altura, diz a letra: ?Mãe, no teu velório, eu desejei as moças na cachola/ Ai, mãe, não liga, me perdoa/ é que eu não sou boiola…? Pois Guinga implicou com a palavra boiola, acha feio ?palavrão em música?. Mas eu me recusei a mudá-la. Na gravação, é até difícil entender o que ele canta, ou resmunga, no lugar de boiola.

CONFIRA A LETRA DAS NOVAS MÚSICAS:

“Pretinho básico” (Moyseis Marques/Aldir Blanc)

É meu Pretinho Básico e

eu tô quase que de quatro

porque é muito amô!

Marrento, banca o sádico…

Não entro nesse barco, não sinhô!

Os olhos de menino com um brilho de assassino

ancoraram no meu peito

e o lindo trejeito moleque me fisgou!

Me faz cafuné, cafunga o meu pé,

me diz que vai durar pra sempre…

(Meu coração ouve a razão: não vai, não).

Então, tá! Sou mulhé

pra guentá o tranco do Poeta:

?infinito enquanto dure?.

Pretendo curtir, morrendo de rir,

até que o caso e a casa caiam.

Quero viver,

até o fim, é bom pra mim, bom pra você, pra valer, pode crer.

O meu futuro a Deus pertence e eu vivo no presente. Oxalá!

Meu destino entrego aos rios do meu Orixá…

“Duro na queda” (João Bosco/Aldir Blanc)

?Tem um sentado e tá com arma.

O português da caixa sente o drama:

pistola em butequim não dá bom carma.

Melhor trocar o berro pela Brahma.

O cara disse ?amei a Janaína

e ela me trocou por um bancário.

Eu era o bambambã em cada esquina,

agora sou olhado feito otário.

Lhe dei calor, colar, casa e comida

e mel na boca quando tinha tosse.

Então não vou perder essa partida:

preciso honrar meu Santo: eu sou de Oxóssi!

Mas, se ela regressar, perdoo tudo,

troco a TV e compro um novo espelho.

Boto cortina em tudo ? de veludo!

E subo a Penha inteira de joelho.

Amor assim supera vagabundo.

Não sei viver sem minha Janaína!

Mulata de olhos claros, vale o mundo.

No morro, é meu barraco com piscina??