Cotidiano

Adolescente luta para superar trauma de estupro coletivo em favela na Praça Seca

201605261333194116.jpgRIO – Com o corpo trêmulo, ela anda amparada. A mãe procura acalmá-la. Em vão. Agitada, aparentemente sem conseguir controlar os braços, ela tenta o tempo todo se desvencilhar, como se quisesse fugir de tudo. De todos. Num lapso, se solta por um minuto e desaba no chão, com olhos sem esperança, em choque. A menina sem nome, de 16 anos, parecia na quinta-feira uma senhora idosa, derrubada pelo pior capítulo de uma vida sem rumo, entre bailes funk e um tanto de droga, em que afundava mágoas antigas. Antes que o futuro pudesse surpreendê-la, superando um passado que já lhe deixara um filho de 3 anos em seu colo infantil, a realidade foi mais rápida e cruel. A menina sem nome, que só tem o anonimato exigido por lei a protegê-la, foi estuprada por mais de 30 homens, numa favela na Praça Seca. Links_violencia

Orgulhoso de seu feito, um dos criminosos quis exibir seu troféu. Um vídeo com toda sorte de agressões e violências impostas à menina sem nome correu as redes sociais. Muitas pessoas se indignaram com a história, muitas choraram na manhã de quinta. Um desenho de uma mulher pregada na cruz, com sangue escorrendo pelas pernas, virou perfil de milhares de usuários no Facebook, em pleno dia de Corpus Christi, como se a menina tivesse sido crucificada.

A abordagem à menina sem nome, que saía na manhã de quinta do hospital, foi cuidadosa. Ninguém queria feri-la ainda mais. Mas bastou perguntar o que acontecera para que ela, do alto de seu 1,60m, com a dureza que o destino lhe reservou, lembrasse como acordara na casa do namorado no domingo.

? Quando acordei, tinha 33 caras em cima de mim ? disse ela no hospital, onde, depois do exame de corpo de delito, tomou coquetel anti-HIV, pílula do dia seguinte e vacina para hepatite B: ? Só quero ir para casa.

VÍTIMA VOLTOU SUJA E COM ROUPA RASGADA

O socorro só foi realizado cinco dias depois. O que de fato aconteceu à jovem deverá ser reconstituído pela investigação da polícia. Segundo a família, ela saiu de casa na sexta-feira da semana passada. A menina costumava frequentar bailes funk nos morros da Barão e São José Operário, na Praça Seca, perto de sua casa, na Taquara. Há duas possibilidades: o envolvimento do namorado ou de traficantes, com a participação de outros criminosos chamados na comunidade. Drogada, a jovem foi uma presa fácil. Quando perguntada se houve participação do namorado ? que, segundo a polícia, tem ligação com o tráfico ?, diz não ter a mínima ideia.

O que se sabe é que ela só voltou para casa na terça feira, suja e com a roupa rasgada. Tomou banho e depois se trancou no quarto, não contou nada a ninguém. Mas, no mesmo dia, voltou ainda ao morro para buscar um celular, que ela disse ter perdido. As redes sociais souberam do caso antes da família. A avó foi a primeira a ver as imagens, mostradas por uma prima, e conta que foi um choque assistir a elas. A neta aparecia desacordada.

? O vídeo é chocante, eu assisti. Ela está completamente desligada. Minha neta tem umas coleguinhas lá (no morro), mas nessa hora nenhuma apareceu. Um agente comunitário veio trazê-la e contou que a encontrou abandonada, pelada, numa casa. Ela disse que não se lembra de nada. Tem hora em que grita: ?Me tira daqui! Me tira desta casa!?

Na quinta-feira, a mãe a levou, por volta das 6h, para o Hospital-Maternidade Maria Amélia Buarque de Hollanda, no Centro. O pai contou que a filha sentia muitas dores. Aos prantos, ele disse que submeteram a menina a um sofrimento que quase a levou à morte:

? Ela foi a um baile, elas a prenderam lá e fizeram essa covardia. Bagunçaram minha filha. Quase a mataram. Estava gemendo de dor. Ficou tão traumatizada que só conseguia chorar.

Desde que deixou o hospital, a vítima não come. No dia anterior, quando o vídeo começou a ser exibido na internet, passou o dia com um sanduíche e um chocolate. Antes, a menina sem nome era uma ?adolescente problema?. Mas, acima de tudo, adolescente. Vaidosa, gostava de postar selfies com shorts e piercing. E tatuagem: num braço, a frase ?Foi por mim?, seguida de uma imagem do Cristo crucificado; no outro, um coração. Também publicava fotos ?fofas? com o filho. Em sua página, ela dedicava parte das mensagens a seu menino, que dizia ser tudo para ela e ela, tudo para ele. Era mãe, era pai.

Em uma das imagens, dá parabéns às mães guerreiras:

?Ser mãe é passar noites em claro com a mesma cólica que o filho, ser mãe é se desesperar, chorar, sorrir, amar, ser mãe é ficar toda boba com um sorriso, palavra ou passo, com a primeira letra ou desenho, amar incondicionalmente?. O pai da criança morreu.

Estudante, a jovem mais faltava do que ia à escola, mesmo tendo a vigilância da mãe, de 46 anos, professora e pedagoga. O pai é servidor estadual aposentado. Numa foto recente, ela o beija na cama de um hospital, onde foi internado após sofrer um AVC. Com ele, também costumava frequentar encontros religiosos, e seu álbum de fotos no Facebook tem uma Bíblia com trechos destacados por marca-texto.

POLÍCIA PROCURA SUSPEITOS

O vídeo que revelou o crime causou comoção em todo o país e mobilizou opiniões nas redes sociais. A brutalidade chamou a atenção, reacendendo discussões sobre a violência contra a mulher. Com um celular, um homem gravou a adolescente jogada na cama, com as partes íntimas expostas e sangrando. ?Mais de 30 engravidou (sic)?, diz o bandido ao fundo. ?Entendeu ou não entendeu? Mais de 30!?, completa, rindo. O responsável pela divulgação do vídeo teve a conta no Twitter excluída.

A Ouvidoria do Ministério Público recebeu uma avalanche de denúncias sobre o caso em poucas horas ? foram 800, até a tarde de quinta ?, e a Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI) abriu um inquérito. Quatro suspeitos já foram identificados, inclusive o responsável por divulgar as imagens na internet, e estão sendo procurados pela polícia, que pedirá a prisão deles. Não se sabe quantos seriam menores e quantos, adultos.

O deputado Marcelo Freixo (PSOL), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alerj, informou que vai acompanhar as investigações. Em nota, a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da Câmara exige rapidez e rigor na apuração e identificação dos envolvidos no crime: ?Trata-se de um ato de barbárie e covardia. A agressão a essa jovem é também uma agressão a todas as mulheres?.

Já ONU Mulheres, entidade das Nações Unidas, disse que se solidariza com a jovem atacada no Rio e com uma adolescente estuprada por cinco homens em Bom Jesus, no Piauí. Além disso, pede providências às autoridades.

No Rio, cerca de 12 pessoas são vítimas de estupro por dia, o que representa um caso a cada duas horas. O estupro é crime hediondo, e as penas previstas no Código Penal vão de oito a 12 anos de reclusão, caso haja lesão grave ou a vítima seja menor de 18 anos (caso da jovem). Se o agressor for menor de idade, a medida socioeducativa será reavaliada a cada seis meses.