Cotidiano

Ação contra o terror não pode afrontar a democracia

A violência de grupos extremistas, além da questão óbvia de segurança pública, coloca também um desafio simultaneamente concreto e simbólico às nações regidas pela ordem democrática: como reagir ao terrorismo, proteger a população e ao mesmo tempo preservar liberdades e direitos? Não é uma questão banal. Para agir com desenvoltura, o fanatismo ? religioso ou ideológico ? se aproveita de uma das virtudes da democracia, a tolerância de suas instituições. E a reação das autoridades não pode ferir esses princípios.

É compreensível que, em meio à comoção geral diante da morte de pessoas inocentes e da sensação generalizada de insegurança e medo, a população cobre do poder público medidas duras para punir e prevenir tais ataques. E é de fato necessário que os responsáveis por manter a ordem e a paz ajam com rigor e autoridade. Mais do que simplesmente investigar e punir responsáveis, isto significa atuar com inteligência, prevenindo a atuação de células terroristas ou de lobos solitários, mas sem jamais ferir valores democráticos.

A pregação de Donald Trump, que sugeriu a construção de um muro na fronteira com o México e chegou a defender a proibição da entrada de muçulmanos nos EUA, é exemplar de um tipo de lógica fadada ao infortúnio. Além de alimentar o ódio religioso e étnico, são medidas ineficazes para alcançar os propósitos proclamados pelo provável candidato republicano à Casa Branca. Orientado por este tipo de mentalidade belicosa, não faz muito tempo, o país atolou-se numa guerra contra o terror no Oriente Médio e transformou a prisão de Guantánamo no símbolo de repressão, de prisões ilegais e de tortura, que até hoje arranham e envergonham a principal potência do Ocidente, e do mundo.

Após os atentados de Paris, o presidente François Hollande obteve apoio parlamentar para adotar temporariamente medidas de exceção. O país baixou uma espécie de lei marcial para poder caçar os terroristas, que estavam à solta e representavam um risco potencial à população. Mesmo tal circunstância especial e seu caráter provisório geraram controvérsia, e muitos viram nessas medidas uma forma de admissão da incompetência das autoridades em atuar preventivamente, respeitando o estado democrático do direito. De fato, descobriu-se que, apesar da autorização excepcional, os órgãos de segurança não se comunicavam entre si, demorando para capturar os suspeitos dos atentados.

Todas as vezes que o medo guiou a ação de governos democráticos ? por meio de leis de exceção, medidas de segregação e isolamento, e adoção de prisões ilegais e interrogatórios sob tortura, coação ? a democracia perdeu espaço, e o extremismo, ao fim e ao cabo, saiu-se vencedor, ao abalar os alicerces republicanos do regime.