Cotidiano

A vida real das favelas para turista ver

2016 921761537-201607061955503229.jpg_20160706.jpgRIO ? Foi num hostel em Medellín, na Colômbia, que o português Eduardo Moura, de 34 anos, soube que turistas se hospedavam com frequência em albergues nas favelas do Rio. Incrédulo, perguntou à amiga inglesa que lhe contara a novidade como um gringo ficaria num lugar tão improvável. Na dúvida, correu para fazer uma pesquisa na internet. Leu relatos de outros estrangeiros e logo se encantou com a vista do Atlântico que se tem do Vidigal. Em viagem pela América Latina desde o ano passado, a vinda ao Rio já estava no roteiro. Optou por chegar à cidade em julho devido à proximidade com a Olimpíada. O detalhe ficou por conta da hospedagem: em vez do asfalto, a escolha foi pelo morro. No início da última semana, Eduardo chegou com a mala e a coragem ao hostel Varandas do Vidigal.

? Eu achava que as favelas do Rio eram restritas aos moradores. Hoje, fico tão à vontade que gostaria de morar aqui. Eu me sinto numa cidade portuguesa de interior. Todo mundo se conhece, todo mundo se fala ? diz Eduardo.

O português faz parte de uma legião que está chegando ao Rio para os Jogos e escolheu os albergues de favelas para se hospedar. De acordo com uma pesquisa feita pela Associação de Cama e Café e Albergues do Rio de Janeiro (ACCARJ) feita com 50 albergues (15 deles em favelas), a taxa de ocupação para o período olímpico é de 95,7%. O número é superior ao esperado pela rede formal de hotéis que, segundo a previsão da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Rio de Janeiro (ABIH-RJ), deverá ser de 90% durante a Olimpíada. Quem tem motivos para rir à toa são os donos de hostels, como o casal Ruth Gonçalves e Armando Saraiva, que inauguraram no Vidigal, há um ano, um albergue para 50 pessoas.

? Se tivesse mais espaço para construir, eu ampliaria. A dois meses da abertura do evento já estávamos com quase tudo reservado ? diz Ruth, que tem apenas cinco camas disponíveis, em alguns dias da Olimpíada.

Preço das diárias subiu

Com uma clientela maior, o preço pela diária também aumentou, mas nada que faça o turista desistir de pernoitar na favela. No Morro da Babilônia, por exemplo, no Babilônia Rio Hostel, a diária para o mês de agosto varia entre 35 e 45 reais. Quem quiser ficar na suíte precisa desembolsar R$ 150 ? 25% do valor para passar uma noite no Windsor Leme (pesquisado para o dia 2 de agosto), na Avenida Atlântica, que fica a 700 metros de distância.

O perfil de viajante que vem se hospedar na favela também está diferente. Na Copa do Mundo, há dois anos, predominava o tipo de turista mais festeiro, que veio ao Rio sem ingresso, mas queria aproveitar os eventos paralelos aos jogos no Maracanã. Já para a Olimpíada, há reservas de pais com filhos adolescentes e de casais que vêm para a cidade com ingressos na bagagem

O que não muda, porém, é o interesse do estrangeiro pelas favelas. De acordo com a ACCARJ, 70% do público que ficará em albergue durante a Olimpíada são de estrangeiros. Nos hostels em comunidade, esse percentual aumenta para 80%. Na Copa, turistas da América Latina invadiram os albergues do Rio. Neste ano, a maior procura é de europeus. A exceção são os argentinos que prometem, mais uma vez, festejar pelo Rio.

? Eu me demiti para viajar pelo mundo. No Rio, fiquei encantado com a vida na favela e resolvi ficar até a Olimpíada. Estou reunindo meus amigos argentinos para ficarem em albergues nos morros em agosto ? conta o portenho Alesio Pizzolon.

O Morro Dona Marta, que é já famoso por receber turistas para os walking tours, aos poucos, começa a entrar na ?briga? pela hospedagem. Primeira favela a ganhar uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), em 2008, hoje, tem quatro hostels ? dois deles inaugurados há menos de um ano. O Bosque Santa Marta foi aberto, segundo seus dois donos, por causa da Olimpíada. Das 12 camas disponíveis, 10 estão ocupadas para o período dos Jogos.

Para os mais interessados em vivenciar a rotina dentro da comunidade, existe a possibilidade do ?Favela Experience”. Tal como uma agência de turismo, guias próprios oficiais das favelas desenvolveram pacotes que permitem uma série de experiências aos turistas. No Dona Marta, por exemplo, uma visita guiada, incluindo uma aula de capoeira e um almoço na laje, sai por R$ 150.

A questão da segurança dentro das favelas, para os turistas, principalmente estrangeiros, é algo que não preocupa. Ele dizem que se sentem mais seguros dentro das comunidades do que quando estão, por exemplo, na praia.

? Em três semanas que estou no Rio, fui roubada uma vez em Ipanema. Me hospedei no Dona Marta e na Babilônia, e me sinto mais segura dentro da favela ? diz a inglesa Jeniffer White.

Para o subsecretário de Turismo, Philipe Campello, o sucesso da hospedagem em favelas reflete um pouco da cultura do Rio.

? Se você analisar, a gastronomia, o funk e o samba nasceram no morro e pertencem à cultura da cidade. Turistas se hospedam em favelas pela curiosidade e para conhecer mais a fundo o Rio.