Cotidiano

?A principal lição que recebi veio de vítimas do conflito?

BOGOTÁ – Poucas horas antes de viajar para Oslo (Noruega) para receber o prêmio Nobel da Paz, o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, respondeu a perguntas do Grupo de Diários América (GDA), que o escolheu como personagem do ano na América Latina. Santos disse estar confiante de que o Congresso e o Tribunal Constitucional darão aval à implementação dos acordos de paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), reconhece que o caminho com outro grupo guerrilheiro, o Exército de Libertação Nacional (ELN), é diferente e espera que o apoio que tem recebido dos EUA durante décadas, agora, com Donald Trump na Presidência, seja mantido.

O ex-presidente Uribe se opõe ao novo acordo com as Farc. Como fará, no período que ainda lhe resta no mandato, para governar com uma oposição que tem o apoio de, praticamente, metade dos colombianos?

Todos os colombianos estão de acordo e apoiam a paz. Todos os prefeitos e governadores apoiam esse novo acordo e pediram sua rápida implementação. E 77% do Congresso votaram a favor do acordo, e apenas alguns nomes mais radicais continuam se opondo. Eles são os do ?nunca?, os que sempre serão contrários a qualquer processo de paz. Entre outros motivos, porque sabem explorar muito bem a guerra e a continuação dos conflitos. E nós temos que viver com eles em uma democracia.

Que experiências das negociações com as Farc serão aproveitadas para evitar erros na negociação com o ELN?

Lições que podem ser úteis: não transformar o processo em um circo midiático, fazê-lo de forma prudente e discreta. O ELN é um grupo diferente, e cada processo deve ter suas próprias características e condições. Temos que seguir o conselho que me deu Nelson Mandela: manter os ouvidos surdos para o que dizem fora do processo, manter o foco nos textos, no que realmente está sendo negociado, pois muitas vezes falamos a diferentes públicos que nada têm a ver com o processo.

O senhor assinou um novo acordo de paz com as Farc e passou ao Congresso a tarefa de aprová-lo, após a derrota da primeira proposta no referendo. Isso não diminui a legitimidade, com riscos à busca de uma paz duradoura?

Pelo contrário: o que foi feito aqui está em sintonia com nossa Constituição, com nossas leis. O Congresso, aqui na Colômbia e em todas as democracias, é o representante direto do cidadão. Ele tem a legitimidade do voto popular. E seu mandato é para representar o povo. Sua responsabilidade constitucional é aprovar políticas e aprovar tratados ? como tratados internacionais, acordos de paz ? e implementá-los.

Sua luta agora também é contra o tempo: qual é seu argumento mais eficaz para conseguir que o Congresso referende a aprovação final do acordo de paz? E se isso não for alcançado, qual seria seu plano B?

Uma lição que ficou do estudo de todos os processos de paz é que se tem que encurtar o tempo entre a assinatura e a implementação. Ter 8 mil homens armados percorrendo o país é uma bomba-relógio. E por isso temos que acelerar todas as decisões no Congresso, no Tribunal Constitucional e, também, a implementação.

Existe o perigo de que, com a assinatura do acordo de paz, facções de forças irregulares colombianas levem suas operações para os países vizinhos? A Venezuela manifestou preocupações a respeito do tema?

Não. E não vejo razão alguma para que o acordo tenha qualquer efeito negativo sobre os países vizinhos. Pelo contrário. A paz na Colômbia, e isso já foi dito, é a paz da região, porque os conflitos tendem a transbordar, e ir para outras regiões. Além disso, com o acordo, poderemos concentrar nosso poder militar em controlar os grupos que restam, a violência e a criminalidade.

Sabe-se que as Farc obtinham uma parte importante do seu financiamento a partir do tráfico de drogas. Há redes e cartéis internacionais que verão uma oportunidade para preencher o espaço vazio. Há um plano para combater esse problema?

Sim. Desde já estamos adiantando um plano de presença do governo nas regiões mais afetadas pelo conflito, liderado pelas Forças Armadas, precisamente para evitar que outras organizações ocupem esses espaços. Esta é uma prioridade do pós-conflito. O fim do confronto com as Farc nos permitirá, pela primeira vez, fornecer uma solução abrangente e real aos camponeses que se dedicam ao cultivo de drogas e, ao mesmo tempo, concentrar toda a capacidade da força pública e da Justiça no combate aos carteis do narcotráfico.

O senhor acredita que a vitória de Donald Trump nos Estados Unidos poderia ser um problema para o processo de paz na Colômbia, e que poderia colocar em risco o apoio prometido por Washington para o financiamento do pós-conflito?

Os EUA e a Colômbia têm uma relação forte, rica e de longa data. Construímos uma aliança sólida ao longo dos anos, com base no respeito, apoio e colaboração mútuos. Tem sido uma relação construída com amplo apoio bipartidário, tanto com o Partido Republicano, quanto com o Partido Democrata. Espero que este apoio bipartidário se mantenha. Não há razão para que isso não aconteça.

Analisando sua condução do processo, qual é a lição pessoal mais importante que tirou? O que mudou na sua visão da sociedade colombiana?

Quando você faz o que acredita, do fundo do coração, ser o certo, persevera e mantém o rumo, todas as dificuldades são superadas. Neste caminho, aprendi muitas lições, particularmente com as vítimas. Apesar de serem as que mais sofreram com a guerra, elas foram as mais generosas e mais dispostas a perdoar e se reconciliar. Isso para mim foi uma lição de vida muito importante.

Passada a derrota no referendo, o senhor reconhece, hoje, que se equivocou ao convocá-lo?

Não me arrependo porque sempre pensei que era a coisa certa a fazer. Cumpri com a palavra que havia dado seis anos antes. Mas, sim, aprendi a lição de que quando não há necessidade de convocar plebiscitos, não há porque fazê-lo. Essa lição, eu aprendi.

Numa pergunta não ao presidente, mas ao jornalista, qual é a notícia do ano para o senhor?

Sem dúvida alguma, a notícia que gerou mais atenção da mídia ao redor do mundo foi a guerra na Síria. Mas o processo de paz na Colômbia foi uma história que teve grande ressonância internacional.

E o personagem do ano em nível mundial?

No universo das notícias da Síria, há um grupo de pessoas chamadas Capacetes Brancos. Eles estão no meio dessa guerra ajudando civis de uma forma realmente eficaz. Para mim, esse é o trabalho a destacar de um personagem do ano no mundo.