Opinião

A percepção dos estudantes sobre os direitos humanos

Opinião de Olympio de Sá, Ana Carolina e Rafael Osvaldo

O Ministério Público do Paraná (Escola Superior e Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Proteção aos Direitos Humanos), em parceria com a Secretaria de Educação do Paraná, acaba de realizar pesquisa sobre a percepção dos estudantes do ensino médio de escolas da rede pública de educação sobre direitos humanos. Responderam às 50 questões mais de 15 mil alunos.

Os resultados levantados se revelam bastante interessantes, principalmente porque não só apontam a visão dos estudantes paranaenses sobre o tema, como manifestam de que modo tem sido trabalhada a pauta dos direitos humanos no ensino médio.

A maioria dos estudantes se mostrou favorável à ideia geral dos direitos humanos (82%) e tem interesse em entender melhor as questões relacionadas ao tema (71%). Portanto, cai por terra a ideia atualmente muito difundida de que os adolescentes não consideram relevante falar sobre direitos humanos.

Questionados sobre quais seriam os direitos humanos mais importantes, os discentes destacaram, nesta ordem, o direito à igualdade, à vida, à educação e à saúde – significativamente mais mencionados que os direitos à segurança pública e à integridade física.

O direito à igualdade foi indicado como o “mais desrespeitado no Brasil”. Nesse item, chama a atenção a prioridade dada ao direito à igualdade, o que vem de encontro às ideias de que se trata de valor jurídico fora de moda e de que os jovens se interessariam mais pela liberdade em sentido estrito e por medidas de segurança pública.

Sobre a democracia, apenas 37,2% dos entrevistados disseram saber plenamente o que significa. Ainda, tão-só 57,8% dos estudantes de alguma maneira concordam com a afirmação de que o Brasil é um país democrático. Por fim, mais de um terço (34,7%) não responderam afirmativamente à pergunta “Você entende ser a Democracia um regime político melhor que o Totalitarismo (Ditadura)?”.

Fica evidente a percepção de “déficit de democracia” por parte dos adolescentes ouvidos, que não sentem viver em um ambiente democrático, além do que, muitos deles, nem sequer sabem do que se trata a democracia, razão por que chegam a flertar com a ideia de que a ditadura representa um bom caminho para uma sociedade melhor. Aqui se coloca um grande desafio a ser enfrentado pela sociedade, pela comunidade escolar e pelo Ministério Público brasileiro, que, segundo a Constituição da República, é o responsável por defender o regime democrático (art. 127).

A respeito do tema de igualdade de gênero, 93,1% dos entrevistados reconheceram a existência do machismo na sociedade. Outro dado alarmante é o de que 71,4% dos alunos responderam ter presenciado situação de violência (física, psicológica, moral etc) contra mulher. Diante desse cenário, é possível crer que a opinião dos estudantes a respeito da situação de injustiça entre gêneros foi obtida por meio da vivência de situações concretas negativas.

Sobre o racismo, 74,2% dos alunos concordaram com a afirmação de que algumas “piadas” e/ou “brincadeiras” podem configurar discriminação étnico-racial/racismo; 32,4% dos entrevistados afirmaram que se sentiram ofendidos por terem sido alvo de “piadas” e/ou “brincadeiras” relacionadas à cor da sua pele, cabelo ou outra característica étnico-racial. Ainda, 88,3% dos estudantes disseram concordar com a afirmação de que o Brasil é um país que ainda apresenta discriminação étnico-racial (racismo). Por fim, é pavoroso o dado de que 30,8% dos entrevistados assinalaram que já presenciaram alguma violência física contra outra pessoa por motivos étnico-raciais.

No que toca aos direitos da população LGBTI+, 56,2% dos ouvidos presenciaram alguma violência verbal contra outra pessoa, bem como 25,2% dos entrevistados reconheceram ter visto alguma violência física, pela mesma motivação, contra tal população. Portanto, a experiência prática dos estudantes revelou que os processos de violência e desumanização contra a comunidade LGBTI+ mostram-se de grandes proporções, o que demanda a imediata formulação de políticas públicas e aplicação da legislação protetiva já existente para corrigir o problema identificado.

Interessante notar que os estudantes consultados indicaram que as escolas não trabalham de modo satisfatório os temas de direitos humanos.

A pesquisa indicou que as pautas de direitos humanos não fazem parte do dia a dia escolar do ensino médio público paranaense, em razão de que, por exemplo: a) 46,5% afirmaram que a escola não desenvolve/desenvolveu por mais de uma vez ação voltada ao respeito à igualdade entre homens e mulheres; b) 70,8% dos alunos disseram que a escola não desenvolve/desenvolveu ação voltada ao respeito das pessoas migrantes, refugiadas e apátridas, ou não se lembram de isso ter ocorrido; c) 62,7% dos alunos disseram que a escola ou não desenvolve ou desenvolveu ação voltada ao direito à assistência social; e d) 74,2% dos estudantes disseram que a escola não desenvolve/desenvolveu ação voltada ao respeito das pessoas LGBTI+ ou não lembram de isso ter ocorrido.

Apesar do pouco contato com a temático dos direitos humanos no ambiente escolar, os alunos consideram importante que se trabalhe nas escolas o assunto. A título exemplificativo, destaca-se que 92,1% deles reputam necessário o desenvolvimento de ação voltada ao respeito à igualdade entre homens e mulheres na sua escola.

Ficou nítido que os estudantes têm interesse por melhor entender a dinâmica dos direitos humanos, apesar de na escola não terem tido acesso de modo minimamente satisfatório a tais conteúdos, o que prejudica o exercício do direito à educação plural e livre, que os capacite à cidadania (art. 205 da Constituição Federal).

Urge que a sociedade civil e as autoridades dos diversos poderes públicos, em especial o Ministério Público e a Secretaria Estadual de Educação, tomem iniciativas para fazer com que os processos de ensino, ao tempo que promovam uma educação de melhor qualidade, sirvam de instrumento para a difusão dos direitos humanos.

Olympio de Sá Sotto Maior Neto é procurador de Justiça e Coordenador do CAOP de Proteção aos Direitos Humanos do MPPR; Ana Carolina Pinto Franceschi é promotora de Justiça e integrante do CAOP de Proteção aos Direitos Humanos do MPPR; Rafael Osvaldo Machado Moura é promotor de Justiça e integrante do Caop de Proteção aos Direitos Humanos do MPPR