Cotidiano

A negação da humanidade feminina

A notícia sobre a adolescente de 16 anos que foi estuprada por 33 homens parecia ser internacional. Mais uma vítima de um estupro coletivo na Índia. Mas aconteceu no Brasil.

Na Índia, a revolta e a repercussão mundial forçaram o governo a mudar as leis e a enfrentar a cultura do machismo. Aqui no Brasil existem a Lei Maria da Penha, as delegacias da mulher e programas de proteção às vítimas. Mas a cultura do machismo não muda através de leis. Muda quando os homens tiverem a consciência inequívoca da importância da mulher, não apenas como mães, irmãs, tias, filhas, amigas e esposas, (o que já é muito!), mas como a outra metade que faz de nós a Humanidade. A negação dessa Humanidade é o que explica que 33 homens se revezem no estupro de uma menina de 16 anos.

A cultura do machismo floresce nas entrelinhas do cotidiano: seja em um comercial na TV, numa piada entre amigos, no trânsito ou num programa de auditório. Em países como Nova Zelândia ou Suécia, a equidade, principalmente de gênero, é uma política de Estado. São também governos laicos, que não pautam suas políticas pela religião. Governam para cidadãos, não para fiéis. O Brasil é um Estado laico com um Congresso Nacional controlado por bancadas; e hoje a evangélica é a mais influente. Diversidade, na Casa do Povo, hoje é pecado.

Quando o deputado Jair Bolsonaro fala para Maria do Rosário ?Eu só não a estupro porque você não merece?, e não é cassado, fica fácil entender onde a cultura do estupro encontra terreno fértil. Quando o mesmo deputado dedica seu voto no impeachment ao torturador da Dilma, o sádico Ustra, é preciso lembrar que o estupro era uma das formas de tortura do regime militar. Apesar dos absurdos que fala, conta com 8% das intenções de voto para a Presidência da República. Ele não está sozinho nas suas convicções.

E tem a pérola do deputado Paulo Maluf: ?Se está com desejo sexual, estupra, mas não mata…?

Não bastasse o estupro ser uma cultura, é também uma política.

Que o crime cometido contra esta adolescente seja um marco criminal no país, e que cada vez que os homens se olhem no espelho, vejam também uma mulher.

Daniel Souza é presidente do Conselho da Ação da Cidadania