Cotidiano

A mulher que tentou parar o ?Brexit?

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LONDRES ? Ela já foi ameaçada de ser baleada e depois jogada em um depósito de lixo. Já a chamaram de ?orangotango? e ?prostituta?. O jornal ?The Sun? se referiu a ela como ?uma milionária nascida no exterior? que buscava subverter a democracia britânica. E os juízes que lhe deram razão são, segundo o ?Daily Mail?, ?inimigos do povo?. Pelo menos três pessoas foram detidas e 12 investigadas por ameaças contra ela. E agora Gina Miller precisa ser escoltada e mudar sua rotina.

A própria Gina, que decidiu questionar perante os tribunais a autoridade do governo de iniciar o Brexit, e que ganhou, se mostrou impressionada pelo nível de agressões pessoais que recebeu ?por ter feito uma pergunta legítima?. E disse que continuou o processo justamente por conta das ameaças, que reforçavam sua certeza.

De uma família da antiga Guiana britânica, Gina se mudou com o irmão para a Inglaterra aos 10 anos, separada dos pais, fugindo da situação política que seu país vivia. Trabalhou desde os 13 anos e sofreu bullying no colégio. Ela se matriculou em Direito e, por conta de um episódio particular, abandonou o curso pouco antes de se graduar. Aos 21 se casou e teve o primeiro filho, que nasceu com danos cerebrais.

Hoje, ela é cofundadora de uma firma de investimento privado e vive com seu terceiro marido e filhos numa mansão, no exclusivo bairro Chelsea. Mas seu passado torna particularmente ofensivas as desclassificações que a colocam como parte da elite londrina típica. Com ONGs que buscam mais transparência no setor financeiro, ela recebeu de executivos o apelido de Viúva Negra.

Partidária do Partido Trabalhista, ela entrou na campanha para a permanência do Reino Unido na União Europeia, e decorou o artigo 50 do Tratado de Lisboa, que regula esse tipo de situação. Ao ver o filho chorando com a vitória da saída, decidiu que tinha de tomar uma atitude. Ela passou o verão estudando jurisprudência após perceber, em uma palestra, que a primeira-ministra Theresa May não pode atuar sem consentimento do Parlamento.

E estava certa. Ela foi ao Supremo e ganhou a causa contra o governo, obrigando que o processo do Brexit passe pelo Parlamento. Para ela, o principal foi feito.

? É uma questão de legalidade, não política ? conta.

A norma fundamental da ordem constitucional britânica é a soberania do Parlamento. No auge do populismo, reforça Gina, defender essa instituição é importante.

? Princípios fundamentais da nossa Constituição, como o império da lei e a separação de poderes, fornecem limites até onde o populismo pode expressar-se e florescer.

Em artigo escrito para estudantes e políticos, na revista ?New Statesman?, ela deixa uma lição clara: ?A política não existe no vazio, e nossa Constituição é a cola que mantém nossa sociedade unida.?