Cotidiano

A ficção e a vida real

Em cartaz em várias salas de cinema do Brasil, a Garota no Trem é um filme que tece uma trama entres mulheres interligadas por um jogo de trapaças que, embora meio surreal, mantém nossos olhos grudados na tela até o fim. O que me chamou a atenção, porém, é a construção de uma das personagens, vivida por Emily Blunt, algo bem próximo ao que pelo menos uma vez na vida já passou por nós. Vinte anos atrás não era comum conhecer alguém da minha idade – coloque aí, obviamente, duas décadas a menos  –  tentando desesperadamente ter filhos. Claro que uma e outra apresentou dificuldade, demorando alguns anos, fazendo tratamento, estratégias  para que “A” encontrasse “B” para finalmente gerar “C”, incapacidade que a personagem do filme leva às últimas consequências afetando seriamente seu casamento e a vida dos outros.

Um dia um médico falou-me a respeito. Havia mulheres que, na incapacidade de gerar filhos, entravam em um redemoinho de autodestruição, frustração que acabava por contaminar a família inteira, amigos, colegas e vizinhos. Por mais que sejamos compreensivos, às vezes, uma mulher que não consegue trabalhar esses sentimentos torna-se uma pessoa difícil de conviver. Tudo tem de ser orquestrado. Falar, nem que seja distraidamente, em gestação, nem pensar, e lá vem ela com cinco pedras na mão quando o assunto é adoção, é esperar, é tentar novamente ou desistir de vez.  Na minha idade, tenho amigas que não conseguiram e outras que não quiseram ter filhos. O fato de não ter gerado descendentes pode ter deixado uma que outra triste por determinado tempo, mas a vida tomou seu rumo. Ao observar a personagem, de nome Rachel, me lembrei de uma amiga que tentou por 8 anos ser mãe. A frustração que ela sentia a controlou de tal forma que estar ao lado dela tornou-se complicado. Tínhamos que cuidar tudo o que falávamos. Se uma aparecesse grávida precisava quase que se esconder porque lá vinha coice. Isso durou uns dois anos. Depois, quem ainda a suportava começou a se distanciar, eu inclusive. Não deixei de gostar de minha amiga, mas quando a própria pessoa não se ajuda, definitivamente não há nada que possamos fazer por ela.

A exemplo do filme, minha amiga perdeu o marido, companheiro que deu basta a tanta reclamação. Embora ela não tenha recorrido ao álcool, como retrata o longa, a arrogância e o mau humor desenvolveram o mesmo papel. Existe um limite para ajudarmos aqueles que não se ajudam porque no fundo, por mais duro que pareça, a realidade é essa mesma, as consequências recarem sobre aquele que se torna o emissor dos sentimentos de inconformidade em relação à vida. Em outras palavras:  ou a pessoa encontra o rumo ou  azar é dela porque vai ficar sozinha, o que talvez dificulte ainda mais sua recuperação.

Vivian Weiand