Cotidiano

A erupção criativa do artista francês Joanie Lemercier

59880657_SC Joanie Lemercier apresenta a instalação Eyjafjallajökull no festival Multiplicidade.jpgRIO – ?Estamos sempre diante de um percurso imperfeito, do imprevisível e do desconhecido. Mas a partir do caos e da imperfeição temos a chance de estabelecer novos olhares?, diz Batman Zavareze, diretor do Festival Multiplicidade, ao refletir sobre o erro, tema deste ano do evento, que será inaugurado nesta segunda-feira, às 19h, no Oi Futuro Flamengo. As palavras fazem jus à experiência do artista francês Joanie Lemercier, um dos destaques da programação. Convidado para uma residência artística nos Estados Unidos, em 2010, ele foi surpreendido pelo vulcão islandês Eyjafjallajokull, que entrou em erupção e provocou o cancelamento do seu voo, mas acabou servindo de inspiração para uma nova obra, batizada com o nome do vulcão e presente no Multiplicidade. Em entrevista ao GLOBO, Lemercier fala dessa obra e de como gosta de ?bagunçar a percepção visual? das pessoas.

Como o vulcão, em vez de um problema, se tornou inspiração para um trabalho?

O meu voo estava marcado para o dia em que o vulcão entrou em erupção, e não pude viajar. As cinzas eram tão espessas que a maior parte do tráfego aéreo da Europa foi suspenso não só por um dia, mas por uma semana. E aí fiquei obcecado com aquilo, me atualizando sobre as notícias no rádio, sem saber quando poderia viajar e se haveria tempo de criar o trabalho. Quando cheguei (aos EUA), restavam poucos dias, então não era viável fazer um mapping em 3D, ou projetar numa estrutura complexa. Decidi usar outra técnica, uma projeção em mapping a partir de um desenho feito numa superfície lisa. Lá havia uma grande sala branca, e decidi desenhar o vulcão e projetar cinzas, nuvens e sombras no desenho que fiz.

Esse trabalho aponta uma relação entre elementos orgânicos e digitais. Como a tecnologia digital e os elementos naturais se interpenetram no seu trabalho?

Sempre fui obcecado pela geometria, o minimalismo, e a maior parte da minha obra é mais abstrata do que figurativa ou realista. Mas tive vontade de conectar padrões geométricos com formas mais orgânicas, e comecei a usar curvas, padrões menos angulares. Hoje, sou fascinado pelas conexões entre matemática, geometria e física com a natureza. Em filmes e em videogames um mesmo algorítimo pode ser usado para gerar montanhas, superfícies de água, dunas, mas também nuvens, neve, vento, você sabia? Um código de uma única linha pode criar universos infinitos. Eyjafjallajökull, Joanie Lemercier

Vivemos num tempo onde o excesso, a velocidade e a fragmentação de estímulos mais saturam os nossos sentidos do que nos saciam. Como seu trabalho lida ou se contrapõe a essa experiência contemporânea?

O meu trabalho, geralmente, se desenvolve num ritmo lento, em um ambiente contemplativo. Gosto de trabalhar com ambientes imersivos, projetando em superfícies que envolvem os espectadores, para que seja possível que eles esqueçam um pouco o contexto, ao menos por algum momento.

Mesmo que não seja possível adivinhar para onde e como as artes vão se desenvolver, como você vê o futuro da tecnologia e das artes no campo em que você atua, o das instalações audiovisuais?

Vejo as tecnologias e dispositivos de projeção apenas como ferramentas que possibilitam explorar novas ideias, novas escalas, novas telas e superfícies, como fachadas arquitetônicas, esculturas, etc. Hoje consigo ver como essas tecnologias serão usadas nos museus do futuro, e como projeções, codificação criativa, escaneamento em 3D e impressões podem criar novas experiências para as pessoas e fazê-las olhar para além das suas pequenas telas de celular.

Como avalia o seu percurso artístico, desde que você participou da criação do selo visual ANTIVJ até agora?

Quando descobri a projeção em mapping, em 2005, tive sorte de encontrar artistas que tinham interesses em comum, e decidimos nos juntar para criar projetos realmente desafiadores, que se realizariam em diferentes lugares. Então, nós descobríamos uma catedral deslumbrante na Holanda e íamos para lá, depois partíamos para um prédio futurista na Coreia do Sul… Eu fazia muita projeção em fachadas, ou em palcos, trabalhando com músicos… Mais recentemente, tenho projetado em desenhos que faço em galerias e museus. Meu trabalho é sobre luz e espaço. Uso projetores para emitir pixels de luz em diferentes superfícies para criar certas ilusões e, sobretudo, para bagunçar a percepção visual do espectador.