Política

53ª fase da Lava Jato investiga corrupção no governo do Paraná

Alvos da operação são investigados por terem recebido propinas da Odebrecht para limitar concorrência na licitação para a duplicação da PR-323

A pedido da força-tarefa Lava Jato do MPF (Ministério Público Federal no Paraná) e da PF (Polícia Federal), a Justiça Federal no Paraná expediu e a PF cumpre na manhã desta terça-feira, 11 de setembro, dois mandados de prisão preventiva, um de prisão temporária, além de diversos mandados de busca e apreensão no Paraná, em São Paulo e na Bahia. O objetivo é aprofundar as investigações sobre a prática de crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e fraude à licitação referentes à duplicação da PR-323, favorecendo a empresa Odebrecht.

São alvos de prisão nesta fase: Deonilson Roldo, ex-chefe de gabinete do então governador do Paraná Beto Richa; Jorge Theodócio Atherino, empresário apontado como “operador financeiro” do ex-governador; e Tiago Correia Adriano Rocha, indicado como braço-direto de Jorge, e responsável por diversas transações financeiras dos empreendimentos do executivo.

Fatos apurados

Conforme apontaram as investigações e a denúncia recentemente oferecida pelo MPF, empresários do grupo Odebrecht realizaram, no primeiro semestre de 2014, um acerto de subornos com Deonilson Roldo, para que este limitasse a concorrência da licitação para duplicação da PR-323, entre os municípios de Francisco Alves e Maringá. Em contrapartida, a Odebrecht pagaria R$ 4 milhões a Roldo e ao seu grupo.

A corrupção foi ajustada em três reuniões entre Roldo e representantes da empreiteira. As evidências mostraram que, no final de janeiro de 2014, executivos da Odebrecht procuraram o então chefe de gabinete do governador e solicitaram apoio para afastar eventuais concorrentes interessados na licitação da parceria público-privada (PPP) para exploração e duplicação da PR-323.

As provas indicaram ainda que, após uma primeira reunião, Roldo voltou a se encontrar com executivos da empresa, informando que a ajudaria ilegalmente na licitação, mas para isso contava com o auxílio da empresa na campanha do governador daquele ano de 2014. Desta maneira, segundo as evidências, ele solicitou propinas para vender atos praticados no exercício de sua função pública, com o pretexto de que supostamente elas seriam usadas em campanha.

Em seguida, em 14 de fevereiro de 2014, Deonilson Roldo teve uma terceira reunião com os executivos da Odebrecht. Nesse encontro, as provas apontam que o então chefe de gabinete do ex-governador afirmou que tinha procurado as empresas CCR e Viapar, as quais indicaram que não participariam da licitação. Informou, ainda, que o Grupo Bertin tinha interesse na concorrência por intermédio da empresa Contern.

Em razão do interesse da Contern, em 24 de fevereiro de 2014, Deonilson Roldo chamou o executivo dessa empresa, Pedro Rache, para uma conversa no Palácio Iguaçu. No encontro, gravado pelo último, o ex-chefe de gabinete do ex-governador informou ao empresário que tinha “compromissos” com a Odebrecht e solicitou ostensivamente que a empresa Contern se afastasse do certame licitatório para obtenção do contrato da PR-323. No mesmo diálogo, Deonilson Roldo, de forma direta, vinculou a desistência da licitação a interesses do Grupo Bertin, que controlava a Contern, na Copel, empresa de energia elétrica do estado do Paraná.

Após diversos adiamentos dos prazos de entrega das propostas, finalmente, em 25 de março de 2014, o Consórcio Rota das Fronteiras, composto pela Odebrecht, Tucumann, Gel e America foi o único a fazer proposta na licitação. Sagrou-se, assim, vencedor da concorrência pública. O contrato foi assinado em 5 de setembro de 2014.

As evidências mostraram ainda que, depois de a Odebrecht vencer a licitação, em meados de julho de 2014, o empresário Jorge Atherino compareceu ao escritório da Odebrecht em Curitiba para cobrar as propinas ajustadas nos encontros com Deonilson Roldo. Diante do contato de Atherino, o diretor-superintendente da Odebrecht para a região Sul e São Paulo demandou o Setor de Operações Estruturadas da companhia – responsável por pagamentos ilícitos – para que repassasse os subornos em favor de agentes públicos do Paraná. As provas indicam ainda que foi aprovado o pagamento ilícito de R$ 4 milhões e Jorge Atherino informou os endereços em que deveriam ser entregues os valores.

Após perícia da Polícia Federal nos sistemas Drousys e MyWebDay do Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, foram identificados registros de cinco pagamentos das propinas que foram estabelecidas na forma descrita acima, que totalizaram R$ 3,5 milhões, entre os meses de setembro e outubro de 2014. Os endereços de entrega eram no município de São Paulo, em condomínio relacionado à sogra de Jorge Atherino.

Pelo menos R$ 3,5 milhões foram pagos por meio de entregas em espécie de: R$ 500.000,00 em 04/09/2014; R$ 500.000,00 em 11/09/2014; R$ 1.000.000,00 em 18/09/2014; R$ 1.000.000,00 em 25/09/2014; e R$ 500.000,00 em 09/10/2014. Tudo isso conforme lançamentos registrados no sistema de contabilidade ilícito da Odebrecht.

Por meio de uma série de documentos, quebras de sigilo bancário e fiscal, quebra de sigilo telefônico e de outras provas coletadas durante a investigação, identificou-se que os pagamentos foram feitos mediante técnicas de lavagem de dinheiro. Parte dos valores foi depositada, em espécie e de modo fracionado, em contas de Deonilson Roldo e de sua empresa, Start Agência de Notícias. Outra parte dos valores teria sido destinada à realização de depósitos, também em espécie e fracionados, em contas de Jorge Theodocio Atherino, suas empresas e associados.

Outros fatos investigados

Relatório elaborado pela PF apontou que a empresa Start Agência de Notícias, de Deonilson Roldo, recebeu cerca de R$ 135.000,00 em depósitos feitos em espécie, no período entre setembro e dezembro de 2014. Ou seja, depósitos em dinheiro foram feitos no período correspondente e próximo às entregas de valores pelo Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht. O MPF, na acusação já apresentada na ação penal 5039163-69.2018.4.04.7000, também relacionou o depósito de parte desses valores, R$ 75.000,00, feito de modo fracionado em trinta e cinco aportes em espécie, no período de setembro a dezembro de 2014, às entregas de valores pelo Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht.

Mesmo não se tratando de valor tão expressivo, é significativamente superior ao padrão de recebimento de depósitos em espécie pela mesma conta em outros períodos, de acordo com informação elaborada por perícia policial. Importante também destacar que a empresa Start Agência de Notícias nunca registrou empregados, muito embora pague dividendos a Deonilson Roldo.

Na análise fiscal elaborada pela PF, constam ainda empréstimos de Deonilson Roldo para um empresário e conselheiro do Detran/PR, de R$ 802.148,00 em 2016, e de R$ 515.000,00 em 2017. As operações são atípicas pois o patrimônio declarado de Deonilson Roldo seria de cerca de R$ 3 milhões, causando estranheza a realização de um empréstimo para terceiro de quase metade do valor do patrimônio.

Em relação a Jorge Theodócio Atherino, além de seu envolvimento no recebimento de valores pagos pelo Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht (depósitos de R$ 3.426.818,27 entre 05/09/2014 e 30/09/2015), as investigações apontaram movimentações financeiras em contas de empresas relacionadas a ele que somaram aproximadamente R$ 560.000.000,00 entre janeiro de 2014 e maio de 2018. Entre estas movimentações, está o recebimento de R$ 15.348.088,08 somente mediante depósitos em espécie.

Além de serem detectadas movimentações financeiras atípicas e inconsistências fiscais como as citadas, há forte suspeita de que as empresas em nome dos familiares do empresário e as contas em nome dos familiares dele tenham sido utilizadas para lavar dinheiro de origem criminosa, misturado a recursos de origem lícita.

Dentre os pagamentos suspeitos efetuados por Jorge Theodocio Atherino, por empresas a ele ligadas e por familiares próximos, foram encontradas transferências para: Ezequias Moreira Rodrigues, que foi nomeado pelo então governador Beto Richa como secretário de Estado, condenado por contratar funcionários fantasmas para o gabinete do então deputado estadual Beto Richa, e apontado pela imprensa como alvo de outra investigação em que lhe teria sido atribuída a condição de operador de Beto Richa; Lucia Jovita Inácio, servidora pública do Município de Curitiba, atualmente cedida para a Sanepar e que trabalhou dezesseis anos com Beto Richa; e empresas relacionadas a familiares do ex-governador.

O rastreamento completo dos valores e a elucidação completa das supostas operações de lavagem de Deonilson Roldo, de Jorge Theodocio Atherino e de todos os demais associados prosseguem. A deflagração desta operação objetiva justamente aprofundar a investigação sobre os fatos e outros envolvidos, a fim de que todos os responsáveis pelos crimes possam vir a ser devidamente responsabilizados.

A investigação apura ainda o envolvimento do ex-governador Beto Richa nos fatos, mormente em relação a utilização de empresas em nome de familiares para movimentação de valores cuja origem se intenta apurar.

Prisão

As prisões executadas se basearam na estrita necessidade de estancar a prática de crimes de suborno milionários e seriais que seguiram sendo realizados mesmo depois do início da Lava Jato, e com base nas evidências que apontam para a existência de um contexto mais amplo de corrupção dentro do governo do Paraná, em diferentes setores.

Interceptações telefônicas demonstraram que Deonilson Roldo está atualmente coordenando de forma oculta a campanha de Beto Richa, enquanto Jorge Atherino continua usando suas empresas para movimentação expressiva de valores sem origem identificada. Além disso, constatou-se o emprego de sofisticados métodos de lavagem de dinheiro, envolvendo contas no Brasil e no exterior. Portanto, a liberdade dos réus coloca em risco a ordem pública.

Para o juízo da 13ª Vara Federal Criminal, “não se trata de um crime trivial”, envolvendo pelo menos R$ 3,5 milhões em subornos. “O contexto não é de envolvimento ocasional em crimes de corrupção”, mas da prática reiterada de grande corrupção e de “complexas operações de lavagem de dinheiro”, no Brasil e exterior. Ainda, nas palavras do magistrado:

“O crime de corrupção e lavagem relativo à duplicação na PR 323 insere-se em um contexto mais amplo, de um esquema de corrupção sistêmica, com cobrança sistemática de vantagem indevida de empresas fornecedoras de diversos setores do Governo do Estado do Paraná. Jorge Theodocio Atherino teria um papel central no recebimento e ocultação e dissimulação desses recursos. Deonilson Roldo seria um dos líderes do esquema criminoso e teria substituído Luis Abi Antoun, após a prisão deste, como o principal operador do esquema de arrecadação de recursos ilícitos de empresas fornecedoras do Governo do Estado.

Além disso, o volume das operações financeiras suspeitas de lavagem de dinheiro atribuídas Deonilson Roldo e Jorge Theodocio Atherino parece transcender o crime de lavagem em relação vantagens indevidas recebidas no contrato da duplicação da PR 323, o que é indício de envolvimento em outros crimes de corrupção ou em lavagem de outros crimes de corrupção. A ilustrar, a movimentação financeira de mais de quinhentos milhões de reais das empresas de Jorge Theodocio Atherino e com mais quinze milhões recebidos em espécie. Chama ainda a atenção o fato de que os crimes foram cometidos no segundo semestre de 2014, quando a Operação Lava Jato já havia adquirido certa notoriedade, tendo, entre as investigadas, a Construtora Norberto Odebrecht. Isso significa, em cognição sumária, que nem mesmo o início dessas investigações e a sua notoridade foram suficientes para prevenir que ambos, Deonilson Roldo e Jorge Theodocio Atherino, solicitassem vantagem indevida de executivos do Grupo Odebrecht, recebessem o dinheiro e ocultassem e dissimulassem o produto do crime.

Tal comportamento indica o caráter serial das condutas de corrupção e lavagem e indicam a prisão preventiva como necessária para interrupção da prática de novos crimes.”

Denúncia

A força-tarefa Lava Jato do Ministério Público Federal no Paraná apresentou, no último dia 5, denúncia sobre parte dos fatos e agentes investigados pela operação deflagrada hoje. Onze pessoas foram acusadas dos crimes de corrupção (ativa e passiva) e lavagem de dinheiro.

A denúncia foi aceita pela 13ª Vara Federal Criminal e viraram réus o empresário Jorge Theodócio Atherino, apontado como “operador” (intermediário que gerenciava as propinas) do ex-governador Carlos Alberto Richa (Beto Richa); o ex-chefe de gabinete deste último, Deonilson Roldo; Adolpho Julio da Silva Mello Neto; Benedicto Barbosa da Silva Junior; Fernando Migliacchio da Silva; Luciano Riberiro Pizzatto; Luiz Antônio Bueno Junior; Luiz Eduardo Soares; Maria Lucia Tavares; Olívio Rodrigues Junior e Álvaro José Galliez Novis.

As investigações e a denúncia são também fruto da colaboração da empresa Odebrecht e de seus executivos e colaboradores. Informações e provas sobre crimes praticados por todo o país foram distribuídas pelo Supremo para diferentes jurisdições, mantendo-se naquela Corte e no Superior Tribunal de Justiça os fatos relacionados a pessoas que gozam de foro privilegiado.

Acompanhe a entrevista coletiva sobre o caso: 

Segundo o MP, são no total 15 mandados de prisão temporária e 26 mandados de busca e apreensão em Curitiba, Londrina, Santo Antônio do Sudoeste e Nova Prata do Iguaçu. Entre os presos, estão: 
    Fernanda Richa – esposa de Beto Richa e ex-secretária da Família e Desenvolvimento Social
    Deonilson Roldo – ex-chefe de gabinete do ex-governador
    Pepe Richa – irmão de Beto Richa e ex-secretário de Infraestrutura
    Ezequias Moreira – ex-secretário de cerimonial de Beto Richa
    Luiz Abib Antoun – primo do ex-governador

As buscas são dirigidas a 16 residências, quatro escritórios, um escritório político, quatro empresas e à sede do Departamento de Estradas de Rodagem do Paraná. As medidas, determinadas pelo Juízo da 13ª Vara Criminal de Curitiba, visam investigar o programa Patrulha do Campo, do Governo do Estado do Paraná, no período 2012 a 2014, apurando-se indícios de direcionamento de licitação para beneficiar empresários e pagamento de propina a agentes públicos, além de lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça.