Cotidiano

“Não foi a melhor reforma”, diz juiz

Diretor do Fórum Trabalhista de Cascavel desde dezembro de 2015, o juiz titular da 4ª Vara da Justiça do Trabalho do município, Marcos Blanco, fala sobre a reforma trabalhista, em vigor desde 11 de novembro de 2017. Há 23 anos na área, já atuou como servidor, técnico e analista judiciário. Blanco, que é natural de Umuarama, passou por cidades como Maringá, Assis Chateaubriand, Guarapuava e Dois Vizinhos. É formado em Direito pela Unipar de Toledo e especialista em Direito e Processo Civil, também pela Unipar, em Umuarama.

Principais mudanças

“Foram muitas mudanças, tanto na parte de direito material, que são as normas da relação de trabalho em si e que disciplinam os contratos de emprego, quanto nas normas de direito processual, que regem o processo de trabalho a partir do momento que o cidadão entrou na justiça. É difícil elencar qual foi a principal, pois foram inúmeras modificações. Na parte de direito material só saberemos o efeito disso daqui a alguns anos, já que essas normas serão aplicadas daqui para frente”.

Honorários

“No direito processual, a principal alteração foi a questão dos honorários de sucumbência, ou seja, a parte que perder pagará honorários à parte que ganhar, o que antigamente não existia na Justiça do Trabalho. Se cada um perder uma parte, por exemplo, o advogado do trabalhador receberá sobre aquilo que ganhou. Sobre o que perdeu, o advogado da empresa é quem vai receber os honorários. Vale lembrar que esses honorários não se compensam, são devidos aos advogados”.

Redução de ações

“É possível que haja redução no número de ações sim, até porque agora há consequências a ambas as partes. Até se noticiou muito sobre a redução da entrada de ações na primeira semana [da reforma em vigor]. Realmente caiu, mas porque é algo episódico. Os próprios advogados estão tentando se orientar para saber como vão proceder, buscam um direcionamento e resguardam seus clientes, que agora podem ter prejuízos. Por cautela, não ajuízam as ações. Os números divulgados [pela imprensa nacional] não representam uma realidade. Para se ter um retrato e como vai ficar o número de ações trabalhistas, só a partir do fim do ano que vem. Quem fizer qualquer projeção neste momento será temerário”.

Prazos mais longos

“Os prazos dos processos passaram a ser contados em dias úteis e não mais em dias corridos, como era antigamente. Assim, houve uma equiparação com o Código de Processo Civil, que já previa prazos em dias úteis. Isso terá um efeito prático: aos advogados é melhor, pois há mais tempo [para trabalhar no processo], mas por outro lado haverá um efeito inevitável, que é o alongamento dos prazos de tramitação dos processos. Consequentemente, os prazos dos processos vão aumentar. No meu modo de ver isso está na contramão do que preconiza a Constituição, que é a questão da razoável duração do processo”.

Rotina alterada

“[A reforma] altera a rotina do Fórum porque agora temos novos paradigmas processuais. […] Tudo que era feito até então terá de ser readaptado. Isso vai demandar tempo até porque há muitas questões que levantam dúvidas, diferentes interpretações. Demora até tudo se acomodar. Quem vai enfrentar isso primeiro somos nós, juízes de primeiro grau, depois os tribunais [regionais], e por fim, os Superiores Tribunais de Justiça. Só depois disso teremos uma jurisprudência”.

Terceirizações

“Lei anterior a esta reforma trabalhista já previa terceirização de atividade fim – o objetivo social principal da empresa. Uma jurisprudência determinou que só era possível terceirizar serviços em atividades que não eram consideradas atividade fim. Agora com a mudança se permite que tudo possa ser terceirizado, incluindo as atividades fim. Tenho algumas restrições quanto a isso e a experiência que tenho na Justiça do Trabalho com as terceirizações não é das melhores. De regra, empresas prestadoras de serviços funcionam bem por um tempo e de uma hora para outra ‘dão um calote nas pessoas’, deixam débitos e a empresa que contratou tem que assumir. Isso vira uma confusão”.

Contratos intermitentes

“Essa é uma discussão muito polêmica. A ideia inicial parece que foi de regularizar os freelancers e possibilitar que tivessem o mínimo de formalização. Com a nova lei, é possível contratar o intermitente, ou seja, a pessoa que tem contrato com uma empresa e quando a empresa precisar dela, será chamada. A empresa faz a convocação e o trabalhador dá a resposta. Neste caso, o silêncio é entendido como recusa. O lado complicado disso é que fizeram um ‘libera geral’, permitindo fazer contratos intermitentes a qualquer atividade, empresa ou situação. Vai ser bom? Só o tempo dirá”.

Extinção da CLT

“Muito papo de rede social, um meio fértil para divulgação de inverdades e o compartilhamento de informações sem checar a fonte. E é aí que se disseminam várias bobagens como o fim das férias, 13º salário e FGTS, que são direitos garantidos na Constituição Federal. Para serem alterados tem que mudar a Constituição, a lei não pode fazer nada. Essa extinção da CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] me parece fantasiosa, já que a relação de trabalho é um fato social, que precisa ter norma”.

Melhor ou pior?

“Não foi a melhor reforma. A legislação trabalhista há muito reclamava uma atualização em alguns pontos, que no meu modo de ver, conferia excessiva proteção em alguns aspectos, e ao contrário do que a norma queria, que era proteger o trabalhador, vinha em prejuízo dele. A lei é muito detalhista e interfere demais em questões que poderiam ser resolvidas entre as partes ou pelas convenções coletivas”.

Retirada de direitos

“De modo geral, a reforma foi mais maléfica do que benéfica ao trabalhador. Houve uma disseminação de informação de que nenhum direito foi retirado, o que é uma inverdade. Por exemplo, até a reforma previa-se que o trabalhador que fosse transportado até seu local de trabalho, e esse local fosse de difícil acesso ou não servido pelo transporte público, teria direito de integrar esse período de transporte em sua jornada de trabalho. Caso extrapolasse oito horas, receberia como hora extra. Isso era chamado de horas in itinere, que se extinguiu com a nova lei. Se isso não é retirada de direitos, então me explique o que é”.

Extinção da Justiça do Trabalho

“Impossível não é, mas me parece inviável, pelo menos a médio e longo prazo. Extinguir a Justiça do Trabalho vai fazer com que em um passe de mágica os litígios trabalhistas sejam extintos também? Não. Alguém terá de julgar esses litígios. Se não for a Justiça do Trabalho, será quem?”