Não era fortuita a presença de um batalhão de jornalistas, algumas dezenas de torcedores e pelo menos 20 atletas da China no Parque Aquático Maria Lenk. Todos foram presenciar a História, na forma longilínea de Wu Minxia, 30 anos, 1m67, 53kg ?às 16h55m de ontem ela se tornou a maior atleta dos saltos ornamentais em todos os tempos. Talvez não houvesse favoritismo maior em toda a Olimpíada do Rio, mas, quando ela venceu, junto da parceira Shi Tingmao, o trampolim de 3m sincronizado, o ouro de 2016 passou também a reluzir uma infinidade de recordes: primeira tetracampeã olímpica de uma prova dos saltos, Minxia se isolou como a saltadora com o maior número de medalhas, seja pela contagem de ouros (cinco em quatro edições dos Jogos) ou na soma total (sete).
Discreta, dispensou comemorações efusivas na piscina. Na entrevista, estava serena como se tivesse vencido um torneio intercolegial de sua cidade natal, Xangai. Ao lado de Tingmao, Minxia encantou o pequeno público que acertou ao comprar ingresso para a prova de ontem. O salto ornamental sincronizado é uma das modalidades mais plásticas dos Jogos, com acrobacias, precisão extrema e mesmo uma boa dose de risco e suspense.
Feche os olhos e sinta a precisão
O momento do salto é de silêncio total na arena. Durante aqueles seis ou sete segundos, ouve-se apenas o impacto das saltadoras pulando no trampolim ? uma ou duas vezes, dependendo do salto ?, o vácuo de som durante o voo coreografado (fora, o risco, sempre iminente, de uma pancada no trampolim durante a queda) e, ao final, o barulho no contato com a superfície d’água ? de modo que a audição do salto, e não apenas sua observação visual, é um importante critério para se medir a sincronia da dupla.
É divertida a experiência, que ainda pode ser repetida nas reprises pela TV: ao fechar os olhos durante um salto da dupla chinesa e apenas ouvir o ?splash? do mergulho na piscina, o espectador tem a convicção de que apenas uma pessoa caiu na água.
Num esporte repleto de detalhes técnicos ? há quatro juízes específicos para acompanhar cada uma das atletas, e outros dois para observar apenas a sincronia entre o dueto ?, qualquer leigo via a diferença das chinesas para as demais. O placar final confirmou: após as cinco rodadas de saltos, as duplas que terminaram entre o 2º e o 6º lugares estavam separadas por 19 pontos. Já as chinesas foram ouro com 31 à frente das vice-campeãs, italianas.
? A gente sabe que luta pela prata, porque o ouro é delas. O ouro seria demais para gente ? resumiu Francesca Dallape, prata no peito, sentada ao lado de Minxia, que respondeu com aparente timidez, sempre em chinês, quando perguntada.
Ela já foi mais fechada, assegura Juliana Veloso, que convive com ela desde Atenas-2004. Ultimamente, Minxia tem se mostrado um pouco mais aberta e eventualmente troca sorrisos, apesar de falar pouco, conta a brasileira.
Não é fácil ser atleta de ponta na China. Minxia carrega o sobrenome Wu, o mesmo do único brasileiro a subir até agora ao pódio no Rio, o atirador Felipe, e que significa ?militar? em chinês. Faz sentido com a vida ultradisciplinada que leva: ela integrou o grupo que recebeu grande incentivo e cobrança do governo chinês no ciclo de Pequim-2008. A dedicação é tamanha que seu próprio pai não a deixou saber, durante todo o ano anterior a Londres-2012, da morte de sua avó, num episódio que gerou críticas ao governo pela pressão extrema sobre os atletas.
Ontem foi o dia de colher os frutos. Minxia pensou na aposentadoria após Londres-2012 e quase desistiu de vir ao Rio depois de uma lesão na coxa, em maio. Aos 30 anos, tornou-se também a campeã olímpica mais velha da modalidade. Enfim, relaxará.
? Superei estresses físicos e psicológicos. As pessoas não imaginam. Acho que os chineses estão felizes pelo feito. Então, eu também estou. Não dá para pensar em recorde, se não você não faz bem. Estava preparada. Agora quero relaxar ? afirmou, fazendo questão de citar Guo JingJing, lenda chinesa do esporte, sua parceira nos ouros de 2004 e 2008 e de quem roubou ontem todos os recordes individuais: ? Ela vai ser sempre minha grande irmã. Nas competições e na vida. Mesmo tendo superado mais números do que ela, vai ser sempre a grande irmã.