RIO ? Cada vez que uma bandeira da Argentina é hasteada na Olimpíada, cada um dos raios do ?Sol de Maio?, que fica bem no meio dela, já foi contado e recontado exaustivamente (devem ser 32 no total, sendo 16 ?ondulantes?). Nas bandeiras do Irã, são checados cada ponto das frases em árabe que integram o símbolo nacional (devem ser nove). No caso das bandeiras da Indonésia, é preciso conferir um código que vem impresso à sua barra, para se ter certeza de que aquela não é uma bandeira de Mônaco ? a única diferença entre as duas, que ostentam igualmente uma faixa vermelha sobre uma branca, é uma imperceptível gradação do encarnado.
Extremamente preciosista, a operação de bandeiras se repetirá pelo menos 800 vezes nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos, contando todas as cerimônias de premiação de cada competição. São 9 mil bandeiras no total, contando flâmulas extras de todas as 206 delegações participantes. Há 188 militares designados para desdobrá-las, hasteá-las e recolhê-las. E quem coordena toda esta logística é um carioca de 36 anos, Thiago Menezes, que até outro dia só tinha intimidade com a bandeira do Flamengo, seu time do coração.
Economista, Thiago começou a trabalhar nos preparativos da Olimpíada há dois anos, numa vaga temporária do setor financeiro. Findo o tempo previsto de trabalho, ficou sabendo que havia uma vaga disponível no setor de bandeiras, e logo conseguiu a transferência.
? Checamos tudo exaustivamente para não correr o risco de hastear uma bandeira com algum erro, ou trocar países que têm exemplares idênticos, como é o caso da Irlanda e da Costa do Marfim, o que causaria um incidente diplomático grave. Nunca imaginei que o mundo das bandeiras fosse tão complexo. Quando comecei a trabalhar aqui, não sabia nem que as bandeiras tinham frente e verso ? brinca ele, abrindo uma do Brasil como exemplo entre as caixas de bandeiras já organizadas, na Cidade do Samba. ? O lado inverso serve para dar a mesma leitura da frase ?Ordem e progresso?. Mas a do Paraguai e a da Arábia Saudita têm um lado realmente diferente do outro, e é preciso saber direitinho para que elas sejam hasteadas corretamente.
Com a proximidade dos Jogos, Thiago só pensa em bandeira. Principalmente as que têm características mais curiosas, como as de Taipei, que sequer é um país independente, mas que tem duas flâmulas diferentes para usar nos jogos: uma para a Olimpíada, outra para a Paralimpíada. Ou a do Nepal, a única que não é retangular ou quadrada. Representada por duas bandeirolas triangulares sobrepostas, precisa ser apoiada sobre um fundo retangular branco para ser hasteada.
? Apesar de muitas bandeiras terem tamanhos diferentes, na Olimpíada elas todas são adaptadas para ter o mesmo tamanho. A mensagem é clara: nenhuma nação é superior à outra.
O protocolo para manuseá-las, no entanto, é superior a tudo:
? Há um modo correto de dobrá-las, indicado por setas impressas nas barras de cada uma. É uma forma de evitar que sejam penduradas de cabeça para baixo, como já aconteceu em outros mundiais. Se você pendura uma bandeira da Polônia de cabeça para baixo, pode parecer a da Indonésia…
Tantos cuidados com os pendões nacionais foram se acumulando justamente para evitar os incidentes já ocorridos em campeonatos anteriores. O pesadelo de Thiago é o que aconteceu na Olimpíada de Londres, em 2012, na cerimônia de premiação do tênis feminino. Enquanto a tenista Serena Williams se preparava para subir ao pódio, a bandeira dos Estados Unidos se soltou e voou pelo estádio, causando gargalhadas no público e desespero entre as autoridades.
? Para evitar qualquer problema como este, a gente já deixa ao alcance das mãos fita, alicate e ?mosquetões? extras ? conta Thiago, referindo-se aos ganchos usados para prendê-las no trapézio de aço.
Um dos itens mais furtados nas últimas Olimpíadas ? de poliéster, passam tranquilamente por detectores de metais ?, as bandeiras destes Jogos estão protegidas por seguranças todo o tempo. Ao final do período de competições, em setembro, o destino dos 9 mil lábaros ainda é incerto. Podem ser doados a organismos internacionais ? mas, se o protocolo for seguido à risca, serão incineradas.