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Micale reage a críticas à seleção e propõe discussão mais ampla sobre futebol

RIO – Foi como um ponto de inflexão na trajetória de Rogério Micale à frente da seleção olímpica. Se não em sua relação com o elenco, ao menos em sua forma de se comunicar com o meio externo. O treinador reagiu às críticas feitas ao time e devolveu com outras críticas: lançou um olhar de reprovação em torno da maneira de se avaliar futebol no país, pediu profundidade em discussões táticas e menos questionamentos a aspectos pessoais e comportamentais que não sejam ligados ao desempenho esportivo. No fundo, queria também estabelecer uma proteção a Neymar, capitão do time e que se recusou a falar após o empate com o Iraque.

As críticas são justas, mas temos que discutir o funcionamento do sistema, questões de comportamento tático, não de comportamento fora de campo. Só assim vamos crescer com o nosso futebol. Micale não falava exatamente sobre o tom das críticas, não fora perguntado sobre isso. Mas, visivelmente, pretendia dar tal recado na entrevista coletiva. Aproveitou uma oportunidade e começou por uma suposta superficialidade das análises.

– As críticas são justas, mas temos que discutir o funcionamento do sistema, questões de comportamento tático, não de comportamento fora de campo. Só assim vamos crescer com o nosso futebol – disse Micale.

Em seguida, deixou clara a intenção de defender seu ponto de vista sobre a visão de futebol do país, sobre a busca por vilões mas, ao mesmo tempo, sua preocupação em defender Neymar.

– Enquanto ficarmos preocupados com faixa de capitão, comportamento pessoal, situações pessoais, e não falarmos de tática, de comportamento tático, continuaremos apenas querendo achar cabeças, culpados. Tenho o maior respeito por vocês (jornalistas), há perguntas sensacionais. Outras, respondemos por educação. Para avançar mais no nosso futebol a discussão teria que ser menos superficial. Isso só causa desgaste para todos os lados. Só queremos cortar cabeças. Fizemos com Rafael (lateral-direito que falhou na final olímpica de 2012), com Bernard na Copa do Mundo… Vamos buscar vilões e estancamos o nosso potencial de avanço. A Alemanha ficou 12 anos com um projeto. Nós queremos atingir logo os seis meses finais sem passar pelos outros 11 anos e meio – disse o técnico.

Durante a preparação, em Teresópolis, a seleção olímpica desfrutava de uma visão positiva sobre o modelo de treinamento. Agora, as críticas fizeram Micale questionar a mudança rápida de tom.

– Fico pensando como as coisas mudam em dez dias, em dois jogos que sequer perdemos. Se continuarmos matando a discussão sobre futebol, vamos continuar colhendo o mesmo que nos últimos anos – afirmou.

Mais adiante, ao ser perguntado sobre os elogios a Marta, muitas vezes ligados a uma crítica ao futebol masculino e a Neymar, Micale saiu mais claramente em defesa do principal jogador da seleção. Com certo tom de ironia, perguntou a idade da atacante. Depois, lembrou que gerações anteriores a Neymar não deram suporte ao atacante, ainda com 24 anos.

– Neymar tem só 24 anos. Um atleta atinge a maturidade completa lá pelos 28 anos, sob o ponto de vista físico, mental, como homem. Ele tem que lidar com pressão de ser um expoente desde os 18. A geração que daria suporte à sua não se firmou. Ronaldo foi a uma Copa do Mundo para assistir, vivenciar a experiência e depois se tornar o que se tornou. Se a gente não tiver transição, não respeitar nossos craques, em breve eles não vão querer estar com a gente. E Neymar quis estar na Olimpíada – disse, antes de passar a falar de Marta. – Quantos anos tem Marta? Ah, 31… Boa idade. Neymar tem meu reconhecimento como melhor do mundo, é jovem. Pergunto a vocês se, com 24 anos, fariam coisas muito diferentes de Neymar.

No fim, falou em tom de desabafo.

– Eu me preparei para servir meu país e formar jogadores com potencial. Pelo imediatismo que estamos exigindo, sinceramente, não está sendo fácil. Estamos sendo implacáveis e isto já está cobrando um preço. Imagino outras seleções que estão há mais de 20 anos sem ganhar e têm potencial igual ao do Brasil. Então, deveriam matar todo mundo por lá – finalizou Micale, em aparente referência à Argentina. – Sou de Salvador, espero que meu povo abrace a seleção.