RIO ? Li Ping tem 30 anos e até 2015 defendeu as cores da China, seu país de origem, no tênis de mesa. Ele sabia que, como representante de seu país, dificilmente conseguiria classificação para uma edição dos Jogos Olímpicos. Mas está no Rio: a bandeira que defende é a do Qatar, que enviou 38 atletas ao Brasil. Li não está sozinho. Um levantamento feito pelo GLOBO mostra que, desse total, 23 (60,5%) não nasceram no país árabe. São cidadãos de 16 países diferentes, que se naturalizaram qataris e obtiveram vagas olímpicas nas modalidades que defendem. Links geral
Como os chineses são praticamente onipotentes no tênis de mesa ? faturaram 24 das 28 medalhas de ouro de todas Olimpíadas ?, Li decidiu se juntar a uma geração de atletas estrangeiros que já não enxergava chances de êxito esportivo em seus países de origem.
? É a primeira vez que eu participo de uma Olimpíada. Realmente me importo com os Jogos. Antes, treinei pesado na Alemanha, e espero fazer o melhor ? diz o mesa-tenista, em mandarim, traduzido para o inglês por seu técnico, o também chinês Chen Li.
O país que vai sediar a Copa do Mundo em 2022 incentiva essa naturalização e tenta, assim, ganhar espaço em determinadas modalidades. É a primeira vez, por exemplo, que o Qatar vai disputar o vôlei de praia numa Olimpíada. Será defendido pelo carioca Jefferson Pereira, o único brasileiro da delegação, e pelo senegalês Cherif Samba, como O GLOBO mostrou no domingo.
Jefferson explica que seu passaporte demorou um ano para ficar pronto e dá direito apenas a viajar para competições, sem as regalias que os cidadãos locais têm. Hoje, o processo de naturalização para jogadores do seu esporte demora pelo menos dois anos, devido às novas regras impostas pela Federação Internacional de Vôlei (FIVB).
? Aumentaram o tempo justamente para dificultar essa exportação. Como o presidente da FIVB é brasileiro (Ary Graça), ele quis dar uma freada nesse processo, pois todo mundo queria ir para o Qatar. Cada federação tem suas regras. No handebol, por exemplo, eles têm todos os benefícios qataris. Não precisam pagar nada, nem contas de água e de luz. Além de o salário ser maior ? compara ele.
No ano passado, o Qatar foi vice-campeão mundial no handebol masculino, com um time de estrangeiros. Agora, dos 14 atletas que estão no Rio, apenas três nasceram no país. Os outros são de Montenegro, Egito, Croácia, França, Bósnia, Espanha, Síria e Cuba.
Na preparação para os Jogos, no Parque dos Atletas, no lado oposto da via onde está a Vila dos Atletas, a equipe de handebol só faz treinos fechados. A maioria dos jogadores se recusa a falar do processo de naturalização.
? Vocês só querem falar sobre isso. Nós, não ? disse um atleta.
Li também não dá muitos detalhes:
? O Qatar me dá todo apoio de que preciso. Estou há dois anos representando o país, e minha vida lá é boa. Às vezes treino lá, às vezes, em outros países.
A família do atleta está na China, onde ele fica por pelo menos três meses por ano, além de Alemanha e Qatar.
TRÊS HORAS DE TRABALHO POR DIA
O técnico Chen Li está com ele desde o início do atleta com as cores qataris. A família do treinador mora com ele.
? São culturas muito diferentes. Mas tenho família no Qatar, trabalho três horas por dia, e a maior parte do tempo estou com minha família ? diz Chen.
Ele reconhece que os salários no país árabe são melhores do que na China:
? Vale a pena ser técnico ou atleta no Qatar, em termos salariais.
Em metade dos oito esportes em que o Qatar se classificou, há representantes estrangeiros: handebol, hipismo (dois de quatro cavaleiros), atletismo (seis de nove) e boxe (os dois únicos atletas). Tiro, natação, levantamento de peso e judô têm apenas qataris: os dois primeiros com dois e os outros com um representante cada.
O GLOBO tentou contato com três assessores da delegação olímpica do Qatar para obter uma posição oficial sobre o processo de incentivo à naturalização de atletas, mas não obteve resposta.