Esportes

Esporte americano entra no debate político pós-Trump

A eleição de Donald Trump dividiu os Estados Unidos como um muro em todas as áreas, e no esporte não é diferente. De um lado, figuras como o superastro do basquete LeBron James, dos Cleveland Cavaliers, parecem fazer questão de deixar marcadas na História suas convicções políticas. Enquanto isso, em outros esportes, como o futebol americano, poucos se expõem.

James subiu ao palanque ao lado de Hillary Clinton dois dias antes da eleição, na tentativa de levar eleitores às urnas de Ohio, onde a vitória terminou com Trump. Na semana passada, no mesmo dia em que o presidente eleito visitava a Casa Branca, os jogadores dos Cavaliers foram recebidos por Barack Obama.

– Ele é o nosso presidente. Não interessa se você concorda com ele ou não, ele é o cara, e vamos ter que dar um jeito de fazer os Estados Unidos grandes como podem ser – afirmou ao site “Ohio.com”. – Temos que fazer a nossa parte. Nossa nação nunca foi feita de um cara só.

Os comentários foram amenos comparados aos de Gregg Popovich, treinador dos San Antonio Spurs e escolhido para substituir Mike Krzyzewski na seleção americana. O técnico classificou Trump como “xenófobo, homofóbico, racista e misógino”.

– Eu moro em um país em que metade das pessoas ignora tudo isso na hora de eleger alguém. Esse é a parta mais amedrontadora para mim. – afirmou o treinador. – Eu sou um cara branco e rico, e estou enojado pensando nisso. Não posso imaginar sendo muçulmano agora, ou mulher, ou afro-americano, ou hispânico, ou deficiente físico. (…) Meu maior medo é que nós sejamos como Roma, um império que pode ruir.

Isso (a eleição) vai ricochetear no esporte, e acredito que os atletas vão responderApós o a declaração, o site “The Unfedeated”, da ESPN americana, que trata de raça e cultura pop, defendeu Poppovich, de 67 anos, como um modelo de homem do esporte da antiga geração que se adaptou aos novos tempos. Num momento de tensão racial, declarações como esta fizeram o treinador – considerado o melhor estrategista da liga – cair no gosto dos progressistas:

– Eu não conversei com meus filhos sobre como agir em frente a policiais quando você for parado. Eu não tive que fazer isso. Todos os meus amigos negros fizeram isso. Existe algo errado nisso, e todos nós sabemos – disse.

Especialista em esportes, o sociólogo Harry Edwards, da Universidade da Califórnia, vê um engajamento crescente.

– Isso (a eleição) vai ricochetear no esporte, e acredito que os atletas vão responder. Estamos olhando uma escalada em termos de respostas dos atletas ao racismo sistemático e, especialmente, a misoginia racista que a maioria da população branca depositou na Casa Branca – afirmou em entrevista ao “The Nation”.

A questão é sensível na NBA, em que 74,3% dos atletas são negros – hoje, no Brasil, é celebrado o Dia da Consciência Negra. O treinador Steve Kerr, dos Golden State Warrios, disse que é difícil olhar no rosto de seus jogadores:

– A maioria deles foi insultada diretamente como parte de minorias. É meio chocante.

As declarações fortes provocaram reações dos apoiadores de Trump. Na revista conservadora “The American Spectator”, o jornalista John Calvin escreveu que, dessa forma, a NBA afasta seu fãs aos classificar os que são eleitores de Trump como deploráveis.

“Como eu sinto saudade dos dias em que os treinadores falavam de táticas”, escreveu.

Calvin colocou a NFL no mesmo patamar da NBA. Mas a liga de futebol americano viu menos declarações de impacto de atletas pró ou anti-Trump. Em artigo na “Sports Illustrated”, o jornalista Jonathan Jones lembrou que, além de desencorajados a falar abertamente sobre política, os jogadores de futebol americano têm uma carreira mais curta e incerta.

ENXURRADA DE CRÍTICAS

Após causar grande polêmica no início da temporada por protestar contra a violência policial sobre negros durante a execução do hino americano, o quarterback Colin Kaepernick, dos San Francisco 49ers, recebeu uma enxurrada de críticas por não votar. Ele afirmou que que seria hipócrita se escolhesse um candidato que fosse “menos racista”.

Composta por 69,7% de jogadores negros, a NFL teve um jogador e um treinador brancos como protagonistas quando o assunto foi a última corrida presidencial: o quarterback Tom Brady e seu treinador, Bill Belichick, os dois maiores personagens da liga em atividade.

No ano passado, Brady deu uma entrevista no vestiário em que, em seu armário, às vistas dos jornalistas, estava um boné com o lema da campanha de Trump. No Instagram, a brasileira Gisele Bündchen, mulher de Brady, respondeu na semana passada a um fã que o casal não apoiou o republicano. Já Belichick teve uma carta enviada a Trump lida durante um comício. O treinador disse que enviou apenas uma mensagem apolítica ao amigo, mas evitou o assunto.

Com 59% de jogadores brancos, a MLB, liga nacional de beisebol, tem um perfil diferente dos da NBA e da NFL. Há preocupações sobre a comunidade latina, que representa 28,5% da liga. Principal executivo da competição, Rob Manfred garantiu que a eleição não vai interferir nos planos internacionais. Uma das vozes mais fortes da liga na eleição foi de Curt Schilling, ex-jogador e ídolo do Boston Red Sox, que apoiou Trump. Ele deve aproveitar a popularidade para candidatar-se a senador em 2018 em Massachusetts.