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Conhecimento brasileiro da raia é posto à prova após monitoramento de rivais

0708 - RAIA.jpgRIO – Há três anos a rotina é assim. Marcada uma regata no Rio, um grupo de
estrangeiros sobe o Pão de Açúcar munido de câmeras, tripés e cadernetas para
monitorar o comportamento do palco mais imprevisível da Olimpíada ? a Baía de
Guanabara. As delegações mais tradicionais da vela investiram alto para entender
como os ventos sopram e para onde levam as correntes marítimas que dão forma a
um habitat natural para a equipe do Brasil. À parte da polêmica sobre a
qualidade da água, o conhecimento da raia é considerado crucial para a conquista
da medalha. E a vantagem brasileira diminuiu, dizem os velejadores. São os
ventos que vão fazer toda a diferença.

? Vai ser uma Olimpíada diferente das outras porque as condições de ventos
são muito complexas. Velejar perto do Pão de Açúcar é uma coisa, na Ponte é
outra. O velejador vai ter que ser muito versátil para conseguir resultados
constantes em todas as provas. Esse vai ser o fator fundamental ? afirma o
bicampeão olímpico Robert Scheidt.

Considerada um local de ventos médios para fracos, o que significa massas de
ar de 5 a 6 nós (em média, 10km/h), a Baía de Guanabara tem, na verdade, ventos
de todas as intensidades. Ontem, as rajadas ultrapassaram os 40 nós (74km/h) com
o avanço de uma frente fria. Uma regata-teste foi cancelada, e os velejadores só
levaram seus barcos para o mar por volta das 15h.

? É inverno, e entradas de frente fria podem provocar uma reviravolta na
forma de velejar na Baía. De repente, pode começar a ventar muito forte durante
uma prova ? explica o oceanógrafo David Zee.

A baía é dona de uma morfologia específica que influencia o jeito de velejar.
O relevo do fundo, por exemplo, dá forma a um canal central e favorece a entrada
de uma maré intensa. Quando enche, ela se espalha em diversas direções. Ao sair,
afunila.

Na entrada, a Ilha da Laje é considerada um segredo pelos velejadores.
Compreender a influência dela na corrente pode determinar o resultado de uma
regata na raia da Escola Naval, por exemplo.

O relevo ao redor também adiciona complexidade ao lugar. Até as montanhas do
Rio e de Niterói são capazes de mudar a trajetória das massas de ar.

? Particularmente, acho difícil mapear isso aqui com modelos matemáticos como
as equipes estão tentando ? argumenta Torben Grael, coordenador-técnico do time
de vela e dono de cinco medalhas olímpicas.

CAPACIDADE DE ANTECIPAÇÃO

Motor do barco à vela, o vento da Baía costuma mudar de direção durante uma
regata, diz o carioca Henrique Haddad, da classe 470, que veleja há 20 anos no
local. Não é raro também que algumas raias tenham mais de um vento ao mesmo
tempo.

? É muito difícil você ter um dia exatamente igual ao
outro. Velejar ali é complexo e eleva o grau de dificuldade ? comenta Haddad,
que vai estrear nos Jogos.

Já Ricardo Winicki, o Bimba, que compete no RS:X, a prancha a vela, vê
vantagem em situações mais adversas:

? Eu gosto quando o vento dificulta para todo mundo. Se
ficar mais difícil de velejar, eu tenho mais experiência na Baía que os outros.
Mas gosto bastante do vento de 10, 12 nós, que é bem típico.

O vento médio costuma nivelar a competição, porque todos os atletas sabem
velejar com ele. Patrícia Freitas, do RS:X, chama atenção para certas condições
do clima que poderiam complicar a vida de suas adversárias:

? Os adversários já conseguiram igualar, com medições por equipamentos, o
conhecimento que temos. Eu tenho a intuição, mas eles têm a máquina. Só que a
maioria dos eventos-teste que a gente fez não foi com frente fria. Tiveram vento
normal, o sudeste. E o vento de frente fria muda muito. Eles não correram tanto
nesse vento quanto eu, se perdem um pouco. Essa pode ser a grande diferença.

Chefe da equipe brasileira, Daniel Santiago concorda que a vantagem de
conhecer a raia passou a ser relativa, depois que equipes como Grã-Bretanha,
Holanda e Nova Zelândia passaram a monitorar a dinâmica da baía. Ele pondera,
entretanto, que o segredo dos brasileiros pode estar em antecipar as variações
climáticas:

? Pode ser fator de desequilíbrio, mas não acredito que alguém da nossa
equipe esteja contando com uma situação incomum para achar que vai ter diferença
tática. O que pode ser determinante é perceber as variações ao longo das regatas
antes dos adversários.

Medalhista de bronze em Pequim-2008, Isabel Swan, do Nacra 17, dá mostras de
como a observação dos velejadores pode ser determinante:

? Tem ocorrido bastante vento de direção norte, que ficam até mais tarde, por
volta de 15h. Eventualmente, vamos correr com ele.