?Para vencer uma maratona, você precisa ter coragem. Hoje eu tive coragem de ir em frente e venci?. A declaração completa uma década em novembro deste ano. Pertence a Marilson Gomes dos Santos, o brasileiro com melhor tempo para a maratona olímpica deste domingo, a mais tradicional prova dos Jogos, e que encerra a competição de atletismo.
Há dez anos, Marilson surpreendeu o atletismo ao se tornar o primeiro sulamericano a vencer uma das mais icônicas provas de rua do mundo, a Maratona de Nova York. Neste domingo, o brasiliense de 39 anos espera surpreender de novo, superar o favoritismo dos africanos e conquistar um lugar no pódio ou, ao menos, ficar entre os dez primeiros. Uma façanha, dada a supremacia de quenianos e etíopes nas provas de longa distância.
Marilson conta com a coragem que já lhe deu, em 2008, vitória na mesma Nova York. E com a ajuda do tempo. Em todos os sentidos. Treinou para manter pelo menos as 2h11min que o classificaram para a Rio2016. E aquele tempo sob os auspícios de São Pedro. Ou melhor, do diabo. Pois, quanto mais quente, para Marilson, melhor.
A África dos favoritos quenianos, etíopes e ugandenses é quente. Mas o Rio olímpico pode ser mais. A ponto de o calor ser destacado na própria análise prévia da maratona feita pela Associação Internacional de Federações de Atletismo (IAAF, na sigla em inglês). Para a entidade, o calor e a umidade do Rio são uma ameaça real à performance dos africanos.
A previsão é de chuva para este domingo, mas o termômetro deverá ficar na casa dos 20°C, com umidade na faixa de 90%. Pode parecer amena para cariocas, mas se trata de uma fornalha para maratonistas de alto rendimento. A temperatura ideal para os melhores tempos da prova costuma ficar na casa dos 4°C.
META DE 2H11MIN
Técnico de Marilson desde a juventude, Adauto Domingues roga literalmente aos céus para que esteja o mais quente possível.
? Todos os etíopes e quenianos são perigosos na prova. Eles correm com tudo. Para eles, não interessa segundo lugar. Só querem o ouro. Porém, quanto mais depressa você corre, mais sujeito à exaustão e à diminuição de performance pelo calor fica. Assim, o desempenho excepcional deles poderia ser, em tese, reduzido por temperaturas mais elevadas ? explica o técnico Domingues.
Marilson não é imune ao clima. Mas a tendência é que quenianos sofram mais, como o favorito Eliud Kipchoge, que fez 2h03min05 em Londres, em abril, e domina as grandes maratonas desde 2014. Quanto mais rápido, mais calor o atleta produz e sente, o que amplia o desgaste. Como o próprio Marilson disse recentemente, o calor do Rio pode ser fundamental para deixar a prova mais equilibrada.
O brasileiro conta com São Pedro e a torcida brasileira. Já afirmou em mais de uma ocasião que o incentivo do público é fundamental para dar forças nos momentos decisivos.
À medida que os quilômetros avançam, os maratonistas costumam perguntar a si mesmos o que mais seu corpo pode lhes dar. Pois o calor do público pode dar ao cérebro dos maratonistas o estímulo para seguir em frente, quando a resposta do corpo é só dor e exaustão.
Marilson Gomes dos Santos um é dos maratonistas brasileiros mais rápidos da história. Já marcou 2h06min34 na Maratona de Londres em 2011 ? o brasileiro mais rápido é Ronaldo da Costa, que fez 2h06min05 (na célebre prova de Berlim, em 1998) e se tornou a primeira pessoa do mundo a correr os 42,195 metros de uma maratona a um ritmo inferior a 3 minutos por quilômetro.
? Marilson está correndo para 2h11min. Mas com o apoio da torcida, uma ajuda do tempo e a determinação imensa que ele possui, poderia baixar para 2h10min. Seu tempo atual lhe dá chance de pensar num bom resultado ? afirma Domingues.
UMIDADE PODE DETERMINAR
A maratona é uma prova imprevisível, mesmo numa era de reinado dos corredores do leste da África. Está sujeita aos humores do clima, a diferenças ínfimas no estado de um corredor em um determinado dia. Um mau dia pode tirar do pódio um corredor veloz e experiente.
O treinador de atletismo e médico Henrique Viana, da equipe Pé de Vento, salienta que a umidade pode ser um fator determinante para os competidores.
? O corpo de corredor de alto rendimento é uma máquina muito poderosa, mas também suscetível a pequenas alterações. Muita coisa pode acontecer em 42 quilômetros. Por isso, fatores como a umidade importam ? destaca Viana, um dos treinadores mais experientes de corridas de fundo no Brasil.
Viana lembra que outro fator fundamental é a experiência e a estratégia de prova. Coisas que Marilson tem de sobra. Na prova de Nova York, em 2006, por exemplo, ele passou literalmente a perna em dois quenianos, Stephen Kiogora e Paul Tergat. Ganhou com 2h09min58. Tinha 29 anos. Hoje, ele chega à largada no Sambódromo com 39 anos e a determinação de encerrar com chave de ouro sua carreira olímpica.