Desde pequena, Letícia Cherpe de Souza recebeu incentivo dos pais para praticar esportes. Eles preferiam, no entanto, que ela participasse das modalidades coletivas, por entenderem as dificuldades e as pressões enfrentadas que quem compete de forma individual. Não adiantou: Letícia tomou gosto pelo atletismo, especialmente pelas corridas de curta distância. Ironicamente, contudo, a jovem se classificou para a sua primeira Olimpíada justamente num revezamento, em que tanto as responsabilidades quanto o brilho são compartilhados. Aos 20 anos, a velocista vai disputar o 4x400m.
Letícia faz parte dos 40 brasileiros que vão competir, seja no atletismo, seja na natação, em provas que dependem de trabalho coletivo. Uma convocação honrosa, mas que, em certos casos, esbarra na frustração por não ter conseguido uma oportunidade no individual.
Um dos benefícios apontados por Letícia, natural de São Paulo, é a troca entre gerações. Nos Jogos do Rio-2016, ela irá competir ao lado de atletas mais experientes, como Geisa Coutinho, de 36 anos, Joelma Sousa, 32, e Jailma Lima, 28, todas as três medalhistas de prata no 4x400m no Pan-Americano de Toronto-2011.
? O revezamento está muito unido. Juntamos a geração antiga com a atual. O entrosamento da equipe é muito bom ? relata.
A experiência mais marcante de sua curta trajetória foi a participação na final dos 200m do Mundial de Menores de Donetsk, em 2013.
? Não tinha noção de como o atletismo era tão grande. Foi impactante ? lembra.
A medida em que sua carreira avançou, Letícia passou a focar mais nos 400m. Na Olimpíada, tinha a expectativa de conseguir se classificar também nessa prova individual, mas não alcançou o índice necessário. Reconhece que sempre soube a tarefa não seria fácil, e acrescenta que encara a participação nos Jogos como o primeiro passo de uma trajetória maior.
? No começo, fiquei chateada porque sabia que era capaz. Mas estou feliz, porque sou jovem. Estou me preparando para o futuro, tenho como evoluir ? destaca.
O discurso é parecido com outro representante do 4x400m, da equipe masculina: Pedro Burmann, de 24 anos, que tentou também se classificar nos 200m e 400m.
? Às vezes é um pouco decepcionante, mas você sabe as condições que tem. Eu estava preparado, mas não consegui aproveitar as oportunidades ? avalia Burmann.
O jovem matogrossense, natural de Porto Alegre do Norte, que chegou a sonhar com uma vaga para a Olimpíada de Londres-2012, mas não se classificou. Ele lembra que a Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt) passou a apostar mais no revezamento a partir de 2013, firmando inclusive uma parceria com o americano Michael Johnson, dono de quatro medalhas olímpicas, uma delas no 4×400, em Barcelona-92.
? Não era o foco do Brasil. Hoje tem incentivo ? destaca ele, que consegui se classificar depois para o Pan de Toronto-2015, mas voltou sem medalhas do Canadá.
Sobre a rivalidade em relação àqueles que os superaram na busca das vagas individuais, tanto Burmann quanto Letícia afirmam que a concorrência se limita ao momento da prova.
? Sei que seria capaz de melhorar meu tempo, mas não tiro o merecimento das meninas, porque elas correm muito bem ? opina Letícia.
‘A MINHA REALIDADE ERA OUTRA’
Brasileiros que alcançaram a glória olímpica apenas em provas de revezamento também descartam a ideia de que a modalidade possa ser uma espécie de prêmio de consolação.
? A participação em uma Olimpíada não serve de consolo para ninguém. Você treina, consegue um índice e vai, independente de ser revezamento ou 100m ? ressalta Edson Luciano, prata nos 4x100m em Sydney-2000 e bronze na mesma prova em Atlanta-96.
O ex-velocista analisa a questão de maneira pragmática: sozinho, ele não teria o índice para competir. Ao lado dos colegas, no entanto, a participação pode ser concretizada.
? A minha realidade não era 9s90. Na época, era 10s21. A realidade era a união dentro do revezamento ? explica.
O sentimento é compartilhado por dois dos donos das primeiras medalhistas do Brasil em uma prova de revezamento na história da Olimpíada: Djan Madruga e Marcus Mattioli. Acompanhados de Cyro Delgado e Jorge Fernandes, os dois conquistaram a medalha de bronze no 4x200m livre da natação em Moscou-80.
? Nesse caso específico, poderia ter ganhado uma medalha individual. Cheguei muito perto. Mas fiquei tranquilo em relação a isso por causa da medalha de bronze ? conta Madruga, que ficou em quarto lugar em três oportunidades (duas em Montreal-76 e uma em Moscou-980). O ex-nadador lembra que conquistar uma medalha naquela época era uma façanha rara.
? Tenho uma satisfação muito grande de ter feito parte disso ? comemora ele, que competiu ainda em Los Angeles-84.
Quem sintetiza o sentimento é Mattioli, parceiro de Madruga na piscina moscovita:
? Passamos uma energia um para o outro, não sabemos de onde tiramos aquilo. Cada um nadou a melhor prova da vida. Essa medalha representou mais para a gente do que se fosse individual. Medalha olímpica, de qualquer jeito que vier, a gente agradece a Deus.